A Pele de Vênus
- Fernando Carlos
- 2 de jan. de 2019
- 4 min de leitura
Direção Roman Polansky


A Pele de Venus - La Vénus à la fourrure (2015). Direção: Roman Polanski. A trama gira em torno de Vanda (Emmanuelle Seigner), atriz que se esforça para convencer o escritor Thomas (Mathieu Amalric) de que ela é a pessoa ideal para interpretar a protagonista de sua mais nova peça, inspirada em obra de Sacher Masoch. O filme é baseado na peça

"Venus in Fur", de David Ives. Na peça, tanto Vanda Jordan quanto Wanda von Dunayev tem 24 anos de idade. As falas que fazem referência a idade das personagens foram cortadas do filme. Emmanuelle Seigner aproximava-se dos 40 anos durante as filmagens.
No filme, Emmanuelle Seigner, esposa de Polanski, vive Vanda, a atriz aspirante que aparece numa noite chuvosa no teatro onde o diretor Thomas (Mathieu Amalric) passou o dia fazendo testes com atrizes para sua montagem.

O filme tecnicamente é magnífico, intimista, com possibilidades de nos emocionarmos a todo instante. Embora tenhamos somente dois personagens, Polansky consegue dar dramaticidade e agilidade a trama com seus planos, seus closes, o andar da câmera, pois é um mestre, um gênio.

Sobre a adaptação do livro de A Venus das Peles de Leopold Von Sacher-Masoch, Polansky consegue, mesmo trazendo o tema para os dias atuais, mesmo ambientada em Nova York e sendo Wanda com 40 anos de idade colocar-nos no clima da obra original, sem esquecer as peculiaridades que a obra original nos passa e ir além, pois existe uma insinuação de que o personagem é levado a se transvestir, trazendo outro ponto na discussão sobre os fetiches trabalhados.
Ele soube transpor cenas tensas do livro, como a tentativa de Severino matar Wanda para situações mais lógicas como o escritor da peça retirar Wanda do elenco e sabidamente, maliciosamente ela conseque reverter e dominar o escritor e fazer exatamente o que ela deseja.

O filme é basicamente composto de uma discussão calorosa entre Wanda e Thomas, que através da leitura do texto da peça transformam o teste da atriz em uma disputa de poder entre o artista e a musa
Desde o início ela questiona se a peça é uma pornografia, refutado imediatamente pelo diretor, mas a contradição fica no ar e ela conclui: Sim, é pornografia. E nós não vemos nada de pornográfico no decorrer do filme. Essa ambigüidade é tratada de forma lúdica e filosófica, mas ao mesmo tempo é leve a com algumas passagens engraçadas.

Ela consegue entrar no papel levando o próprio escritor a entrar juntamente e da ficção para a realidade, em vários sentidos, atinge proporções mais profundas. A cena do celular, do contato com a esposa do diretor é uma facada no nosso estômago, como foi o choque que Severino teve ao ter que assinar o contrato colocando sua própria vida nas mãos de Wanda ao transcrever uma carta de suicídio, caso ela desejasse matá-lo.

Sem sombra de dúvidas, Emmanuelle Seigner entrega a melhor atuação de sua carreira no papel de Wanda, descontraída, cínica e totalmente perversa e manipuladora, apropriadíssima para esse personagem, não poderia ser melhor e vai conseguir o papel sendo inconveniente e instável, mas tão sedutora que vai conquistar a confiança do titubiante escritor da peça Thomas (Mathieu Amalric).

A relação se intensifica à medida que a atriz provoca as emoções do diretor, cutucando as suas verdades interiores.
Os comentários que Polansky coloca no enredo na hora da leitura dramática da peça são muito pertinentes e, ao invés de cortar o clima, enfatiza-o ainda mais, além disso essa aproximação da ficção com a realidade aumenta as emoções do embate psicológico entre os personagens. Baseado em peça de David Ives, que por sua vez é inspirada em romance de Leopold von Sacher-Masoch publicada em 1870.

O filme traz um vigor ao tema masoquismo, que no filme, ganha importância nas provocação, desinibindo aos poucos as inibições do autor. Atualidade que favorece a obra original. Mostrando que ainda hoje, 2 séculos depois, ainda é atual.

Cada frase do diálogo evoca nossos instintos psicológicos, de forma consciente, pois o autor da peça tenta justamente nos provocar através de seu personagem e falas e a atriz faz o contraponto do embate proposto, revelando toda força do texto. O que estava nas sublinhas ou mensagens subliminares são esclarecidas a exaustão e até didatismo, não permitindo que nada fique escondido.

É sabido que o Polansky é masoquista, tanto pela sua vida como em seus filmes anteriores como afirma Marcelo Hessel (Omelete) “Relações de poder, sexo e castigo se repetem nos filmes de Roman Polanski desde o início de sua carreira, e com o tempo ganharam conotação autobiográfica muito por conta dos problemas do cineasta polonês com a Justiça americana.

Se em A Pele de Vênus (Venus in Fur) o diretor parece tratar essas questões de forma mais franca e frontal, num jogo metalinguístico que expõe a própria figura do artista, talvez seja porque o próprio material se dispõe a isso” (MARCELO HESSEL; 23.09.2015)
Porém não é um filme panfletário ou partidário, mas sim limpo, cru e aberto para debates e pensamentos sobre o tema.

A trilha sonora lúdica de Alexandre Desplat é algo incrível que mantém uma tensão sem que percebamos e entramos de cabeça no clima psicológico que já vem desce o começo.
Segundo o crítico do site Omelete “...uma representação incontestável dessas relações de sexo e culpa que o cineasta exorciza em vários de seus filmes. Essa representação ganha força por meio de seus protagonistas - Amalric, ator que sempre soube transmitir em seus papéis tanto uma fraqueza quanto uma inquietação, e Seigner, com sua voluptuosidade que não pede desculpas - num exercício que é essencialmente de atuação.

Embora este seja um filme naturalmente aberto às interpretações mais difusas (fala da vida, de arte, de gêneros, de auto-conhecimento, de alsteridade...) Polanski nunca perde de vista o rigor da encenação, nem a noção mais pura do teatro, que é tornar o verbo uma expressão corporal”.

O final é muito mais intrigante do que se pensa e não quero estragar a curiosidade de quem não assistiu dando spoiler. Em relação a crítica especializada é unânime darem notas das mais elevadas. A minha certamente é 10.
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