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Dom Quixote

  • Foto do escritor: Fernando Carlos
    Fernando Carlos
  • 2 de abr. de 2020
  • 10 min de leitura

Dom Quixote de La Mancha.

Miguel de Cervantes.

Eu não sou nem o mínimo qualificado para discutir uma obra que é considerada uma das mais importantes e fundamentais da literatura universal, além de ser a primeira obra a ser escrita que dá início ao modernismo. Antes vivíamos o apogeu do estilo Barroco cujo maior expoente era William Shakespeare, mas esse autor já estava no seu auge quando o estilo de escrita estava consumado. Cervantes, que era leitor voraz de Shakespeare, criou o estilo moderno de escrever, onde as histórias passavam a ser contadas de forma mais coloquial, de fácil compreensão ao leuitor médio , além do narrador conjecturar, fazer com que o leitor pudesse refletir sobre a história, mais ainda, o narrador usar a metalinguagem e poder falar da própria obra, assim como fez nosso maior autor Machado de Assis.

Pouco sabemos sobre Miguel de Cervantes,um provável escritor da classe média, com pai de origem judaica. Ele participou de uma guerra em que a Espanha vendeu, embora ele se feriu gravemente na mão esquerda, que ficou paralisadas e sabemos que ele morou na Argélia e ficou prese pó um tempo lá,. Mas absorveu muito da cultura árabe. Do mais era um voraz leitor. A Espanha do século XVII era a Era de Ouro e o escritor Miguel de Cervantes é um dos principais nomes da Espanha. Eles conseguiram expulsar definitivamente os Mouros da Península Ibérica com fortalecimento da monarquia, que deram início as grandes navegações chegando ao descobrimento das Américas, intensificaram as atividades culturais, solidificaram a língua castelhana, uma das línguas latinas mais belas e complexas. Entretanto, segundo Claudio Fernandes, “na Península Ibérica, as tradições medievais ainda eram bastante fortes até o século XVII, ao contrário do que ocorria em outras regiões da Europa. Assim, ao mesmo tempo em que havia a penetração das idéias humanistas, havia também um intenso apego aos temas típicos do cristianismo do medievo. Isso aconteceu também por causa da forte incidência da Contra-reforma nos países ibéricos”. Os romances de cavalaria, até então ocupando um lugar de destaque na literatura popular, já começavam a decair daí a genialidade de Cervantes de colocar um cavaleiro decadente que, aos olhares de quem vê parecia um louco da cabeça, dialogando com seu fiel escudeiro e divagando sobre a existência humana e vivendo grandes aventuras e foi um Best seller na época criando uma nova forma de escrita.


Dom Quixote de La mancha foi publicado em 1605, na cidade de Madri. Obra gigantesca em forma de paródia das novelas medievais dividida em 126 capítulos, organizado em duas partes, sendo a segunda parte somente publicada em 1615.

Segundo Ana Lúcia Santana: “As duas partes desta obra apresentam atmosferas distintas. A primeira, em estilo mais maneirista, transmite uma intensa sensação de liberdade, enquanto a outra, tendendo para o barroco, passa ao leitor um sentimento asfixiante, um ar sufocante, como se suas páginas pudessem encerrar dentro de si todos que por elas se aventurassem. Aqui os protagonistas parecem caminhar da esfera da imaginação para os limites irremediáveis da realidade”.

Existe muita discussão sobre o personagem do Dom, ser louco ou ter ficado louco por ter um vício de ler muito e ele misturar o que lia com a realidade, ele lia tudo sobre cavalaria e, num certo dia, achou que seria nomeado cavaleiro. Buscou seu vizinho Sacho Pança para ser seu fiel escudeiro e prometeu que, quando fosse famoso, daria a ele o cargo de governador de uma ilha. Sancho era seu visinho e prestava serviços como jardineiro de sua casa e Quixote, nome que ele mesmo se deu, era um fidalgo com muitos recursos financeiros, mas não era nobre e nunca foi, tanto que os personagens se contrapõem, um totalmente idealista e o outro bem realista, mas que embarcou nas loucuras de seu mestre, enfrentando perigos criados pela sua fértil imaginação, como os célebres moinhos de vento que ele combate em uma das passagens mais famosas desta narrativa, simbolizando universos diferentes, embora pareçam caminhar pela mesma estrada.


Se pensarmos na relação conflitante dos filósofos gregos Platão (Idealismo) sendo o tutor de Aristóteles mais realista, esse último estaria para Sancho, pois tem os pés mais próximos do real, enquanto Dom Quixote seria equivalente a Platão, pois transita pela esfera do imaginário. Para Platão a gente viver num mundo irreal, tudo que vemos é uma cópia mal feita da verdade que só existe no mundo ideal. Aqui nessa obra realista, por isso a importância do personagem Sancho. Uma sátira em que só pode concluir com o retorno do fidalgo ao mundo da razão e do bom senso, pois não há mais espaço para heróis cavaleiros da Idade Média nos tempos modernos, embora existe quem defenda que o fidalgo não era louco, mas sim um filósofo que questionava o sentido da vida.

Quixote mistura fantasia e realidade, se comportando como se estivesse em um romance de cavalaria e transformando obstáculos banais (como moinhos de vento ou ovelhas) em gigantes e exércitos de inimigos.

A importância dessa obra é enorme, a começar pela atualidade, já que foi escrita há quese meio milênio e ainda é lida como se fosse atual e aborda temas complexos ainda não revelados, como por exemplo, o que é a verdade, o certo e errado, a ética, o sentido da vida, enfim, coisas muito presentes, segundo por ser a primeira obra com novo estilo de escrita, terceira pela complexidade que se é narrado e a perfeição da narrativa representando para muitos críticos e leitores a melhor produção literária espanhola. Em maio de 2002 ele foi eleito a maior criação ficcional até hoje produzida, em uma eleição instituída pelo Clube do Livro Norueguês.


Como existe uma infinidade de resumos, sinopses versões e resenhas sobre a obra, somente vou destacar os pontos mais fundamentais para concluir.

Depois de o fidalgo ler muito sobre cavalaria e se sentir preparado para ser eleito cavaleiro da corte, já com alta idade ele acredita que, numa estalagem ou casa de prostituição, ele é consagrado cavaleiro e pega uma armadura na sua casa, um escudo enferrujado e convoca Sancho Pança para segui-lo numa luta contra o mal com a promessa de elegê-lo governador de uma ilha, que se concretiza num certo momento da história. Para ser um verdadeiro cavaleiro ele precisa ter uma donzela, que se chama Dulcineia, mas é claro que é fruto da sua imaginação, embora num certo momento da história, Sacho Pança diz que ela existe de fato, escolhe uma camponesa que se chama Dulcinéia, mas quando Dom Quixote a vê, percebe que não está de acordo com o que ele imagina a não aceita que seja ela, mas seu fiel escudeiro diz que é ela, que está enfeitiçada e por isso que ele não consegue enxergar como ela realmente é fisicamente, o que não vai consegue manter a farsa. O tempo todo existe um diálogo entre os dois e basicamente a história se resume nas digressões entre eles e as aventuras e encontros inusitados. Existe uma passagem logo no início em que o fidalgo entra numa briga e chega ferido na sua casa e os criados acham que ele ficou louco decido os livros que leu e buscam destruir cada um deles, mas isso é em vão.

É derrotado e espancado inúmeras vezes, sendo batizado de "Cavaleiro da Fraca Figura", mas sempre se recupera e insiste nos seus objetivos.


Num certo momento, surge um casal de duques que aproveita da sua ingenuidade e pregam uma peça a Sancho. A ação que decorre na Ilha da Barataria é uma espécie de ficção dentro da ficção onde assistimos ao período em que o escudeiro é governador e quem vai dar os conselhos para seu querido escudeiro é Dom Quixote sobre as suas responsabilidades e a importância de manter uma conduta irrepreensível e, até que Sancho se dá bem de fato, justo e competente. No entanto, desiste depois de uma semana, infeliz e exausto. Percebe, então, que dinheiro e poder não são sinônimos de felicidade e sente saudades de sua família, decidindo regressar.

O autor coloca a imaginação para reinventar o mundo que o rodeia. Criando inimigos e obstáculos a partir de objetos do cotidiano, ignora os contratempos da vida real.

Dom Quixote só volta para casa quando é vencido em batalha por outro cavaleiro e forçado a abandonar a cavalaria. Longe da estrada, fica doente e acaba morrendo. Nos seus momentos finais, recupera a consciência e pede perdão aos seus amigos e familiares.

Conclusão.


Obviamente não se trata de uma obra que se pretende a separar o real da loucura, mas sim o uso da imaginação e criatividade para se viver o ideal que se pretende e o mais importante são os diálogos do ”louco” sobre a vida, conduta (honra) e felicidade, luta do bem contra o mal, além da crítica social, algo mais individualista do que universal. O idealismo é o foco de toda a história, contra a dureza da realidade que vive seu amigo, que vem de classes mais inferiores e sabe o quanto almeja ser mais do que pode e a narrativa coloca tudo tão bem estruturado que provocam gargalhadas e no convida a não deixar de ler, pois ficamos afeiçoados com os dois personagens.

Não podemos deixar de ver uma crítica velada à realidade política e social do seu país, já que o autor participou de uma guerra pela Espanha, que era regido por um regime absolutista, rei Felipe II e havia muita pobreza causada devido gastos militares e expansionistas. Temos relatos da miséria dos vários indivíduos na obra, os que enganam e roubam para sobreviver, contrastando em tudo com os heróis dos romances de cavalaria, um grande diferencial do que a literatura antes produzia.


O idealismo era a busca de valores que parecem perdidos ou ultrapassados levando seus leitores a lutar pelo mundo no qual querem viver, lembrando que nunca devemos nos acomodar nem ignorar as injustiças.

Sancho questiona até onde os tesouros podem dar felicidade e tirar a liberdade, assim como pela honra, se pode e deve aventurar a vida. É importante compreender a visão irônica que o romancista tem do mundo moderno, o fundo de alegria que está por detrás da visão melancólica e a busca do absoluto. São mundos completamente diferentes. Sancho Pança o fiel escudeiro de Dom Quixote é definido por Cervantes como "Homem de bem, mas de pouco sal na moleirinha".

Uma obra prima que somente com a experiência da leitura que se consegue chegar a magnitude do que ela representa, sem dúvida o pensamento do idealista, se confrontando com a do realista, nos faz refletir sobre nossas vidas e escolhas pessoais, o livre arbítrio e o custo de nossas escolhas.

Filmes


Os filmes mais emblemáticos sobre esse livro obviamente são da Espanha. Dom Quixote cavalga novamente de 1973 busca ser o mais próximo da obra original, foi selecionado no Festival de San Sebastian, em 2019, na mostra "Retrospective - Roberto Gavaldón", mas não teve nenhuma relevância. O Poço de 2019 não conta a história do livro, mas tem o livro como inspiração e esse filme lançado em setembro teve grande repercussão na crítica e seis meses depois de seu lançamento ainda é motivo para debates e polêmica. O diretor Galder Gaztelu-Urrutia ganhou o premio Goya como diretor revelação e o filme vem ganhando adoradores a cada mês e já é um Cult.

A história se passa em uma prisão vertical com 333 andares, cada cela em forma retangular sem janelas, abrigando dois presos cada dando um total de 666 prisioneiros. No meio, um enorme buraco em forma retangular (o tal poço, "el hoyo" no original) permite enxergar os andares superiores e inferiores. Não bastasse a organização atípica, a alimentação também é oferecida de modo inusitado: diariamente, uma única plataforma retangular repleta de um verdadeiro banquete desce pelo buraco, a partir do andar mais alto (número zero) em direção aos andares inferiores. Entende-se que cada andar se serve e essa tabula desce para o andar inferior e quem fica por último come os restos dos alimentos, se é que vai sobrar algum.


Nosso protagonista e um homem de meia idade chamado Goreng e tem o aspecto físico de Dom Quixote, inclusive cavanhaque e bigode igual ao personagem de Cervantes e ele está lá por livre e expotânea vontade, “livre Arbítreo” e resolvel ficar preso para parar com o vício de fumar, fazendo alusão ao vicio de Dom Quixote em, ler muitos livros de cavalaria compulsivamente. Cada preso pode levar algo para a cela e ele levou o livro Dom Quixote mostrando a direta referência do livro ao filme e roteiro. Lá ele será o bem feitor, o idealista, quem vai tentar apaziguar todos e buscar o melhor para cada cela, isto é, lutar contra os “moinhos de ventos” como fez o personagem cavaleiro na obra de referência. Dividindo a cela com ele está Trimagasi, obviamente com todos os aspectos físicos e ingenuidade de Sancho Pança e está preso porque foi condenado “injustamente” por homicídio. Ele jogou uma televisão pela janela e acertou uma transeunte e ela morreu. Ele será o guia, o orientador de Goreng.


Na historia original sabemos que Dom Quixote está em busca de uma donzela para amá-la e ser definitivamente um cavaleiro. Sabemos também que ela se chama Dulcineia, mas só existe na sua imaginação. Aqui também vai aparecer uma mulher chamada Imoguin vinda pela mesa de alimentos que aparece sem mais nem menos e por quem Goreng vai se envolver. Ela está lá em busca de seu filho, uma criança pequena que prenderam nesse poço, mas o expectador sabe que isso não é real, que é fruto da imaginação dele, já que no poço, a recepcionista informa que não existe a possibilidade de entrarem menores de 16 anos, certamente tudfo é fruto da imaginação de Goreng. O formato retângulo em tudo que é cenário se refere ao formato do livre Dom Quixote, isto é, tudo é o livro.

O diretor em entrevista afirmou que esse filme é uma crítica ao capitalismo, mas também ao comunismo. Ser vemos bem essa sociedade do poço, todos tem as mesmas funções, vivem para sobreviver, vestem as mesmas roupas, moram no mesmo cubículo, mas estão uns sobre os outros, mostrando que as classes superiores oprimem as inferiores e isso fica claro quando o Goreng tenta convencer por lógica a todos racionar as poções e não é atendido, ele ameaça a urinar e defecar no alimento antes da mesa descer, isto é, ele usa da ameaça e opressão. Também temos o racismo, quando um preso negro tenta subir para a cela superior por uma corda improvisada, recebe fezes do preso de cima em sua cara. Enfim, é uma metáfora explícita sobre a selvageria proporcionada pelo capitalismo e a desigualdade social.


Na obra de Cervantes temos também uma crítica a nobreza quando os Duques satirizam Sancho Pança ao darem um falso título de governador, sendo humilhado e não agüentando sua posição e falando justamente que a riqueza e o poder não poderia lhe dar felicidade.

Obviamente o filme tem outra referencia literária que é a Bíblia, já que o numero 333 significa algo como redenção e graça e o 666 seria a morte e o inferno, assim como em Cervantes nosso herei vem a morte e tenta se redimir de tudo. Como os textos de Jesus eram em parábolas, aqui também temos a história em parábolas.


O fato é que o filme te cenas impressionantes em todos os sentidos, a cor da paleta é do bege ao cinza e o design passa o recado da claustrofobia angustiante. Temos muitas cenas escatológicas justamente para chocar e ter a função de nos inteirar na temática sombria e incômoda, dessa forma temos sem meias palavras violência gráfica e tabus como canibalismo e estupro fazem parte do cardápio que a trama oferece até seu desfecho onírico, enigmático e sem soluções fáceis.

Links Consultados.

FERNANDES, Cláudio. "O Século de Ouro Espanhol"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiag/o-seculo-ouro-espanhol.htm. Acesso em 01 de abril de 2020.

SANTANA, Ana Lucia, https://www.infoescola.com/

adorocimema.com

 
 
 

1 Comment


fabiovianaradialista
Apr 13, 2020

Sensacional.

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