A Venus das Peles - Análise da obra
- Fernando Carlos
- 11 de jan. de 2019
- 5 min de leitura

Vênus das Peles de Leopold Von Sacher-Masoch foi escrito em 1870 e é narrado em primeira pessoa por Severin von Kusiemski, protagonista que se faz escravizar por Wanda von Dunajew a quem idolatra como a Vênus das peles e foi baseado em um experimento em que o próprio autor foi a vítima voluntariamente por um contrato assinado entre ele e sua chamada Fanny von Pistor, sua amante. Na obra também existe um contrato assinado por Severino:

“A senhora Von Dunajew deverá punir seu escravo a seu bel-prazer, não só pelo que lhe pareça o menor descaso ou a menor falta, como também terá o direito de o maltratar, seja por capricho, seja por passatempo, como bem lhe convier, matá-lo até mesmo, se assim o preferir; em suma terá sobre ele um direito de propriedade ilimitado." Devido a riqueza de detalhes e clareza do desejo da submissão a uma mulher déspota, cruel que o trairia e posteriormente a consumação desse desejo narrado com descrições detalhadas e explícitas por quem sofre;

Desenvolvendo o pensamento transcrito no livro, os pensamentos que passa pela sua cabeça antes, durante e depois de cada acontecimento ligado a submissão e tortura física ou mental, a obra ficou marcada como um documento sobre a submissão sexual masculina a uma mulher volutariamente, assinada em contrato e o ponto de vista existencial. Ao mesmo tempo dolorosa e prazerosa servil e libertária, uma das obras fundamentais da cultura contemporânea, em que a liberdade e a realização individuais se alimentam reciprocamente.

Devido a ser a primeira obra a tratar desse tema no final do século XIX, discorrer sobre o prazer de se fragilizar e se submeter ao objeto amado que o sobrenome do autor, o escritor austríaco Leopold von Sacher-Masoch (1836-1895), foi tomado “emprestado” para cunhar o termo masoquismo, usado primeiramente pelo psiquiatra Richard von Krafft-Ebing e depois popularizado por Freud. O livro A Vênus das Peles foi tão emblemático que até os dias atuais é referência e discussão de práticas masoquistas, de entrega e aceitação por casais liberais que já existe consenso para retirar do código internacional de doenças, o CID 10 dando mais liberdade pessoal para poder viver seus desejos, mesmo que ainda não aceitos socialmente.
Segundo o engenheiro Alexandre Kovacs, que fez uma análise da obra no blog “mundodek”: “A Vênus das Peles foi citado como estudo de caso em 1886 pelo psiquiatra Richard von Krafft-Ebing (1840 - 1902) no seu tratado, Psychopathia Sexualis,

que relacionava práticas sexuais pretensamente fora da "normalidade", ao menos assim se pensava na época. Várias "perversões", muitas de caráter violento, foram classificadas pelo autor, formalizando assim, na psicanálise, os termos "masoquismo" e "sadismo", este último decorrente das obras do Marquês de Sade. Diferentemente de Krafft-Ebing que impôs uma leitura moralizante e criminal aos desvios do padrão sexual da época, Sigmund Freud (1856 - 1935) iniciou os seus estudos em 1905 com o lançamento de Três ensaios sobre a teoria da sexualidade que, juntamente com outras pesquisas, vieram a comprovar que as opções sexuais do indivíduo são decorrentes do seu histórico afetivo particular e não de origem biológica. É interessante notar que Freud entendia a literatura como um instrumento importante e, até mesmo, superior à ciência para desvendar os segredos da alma humana”.

Embora a narrativa seja na primeira pessoa, Severino deixa explícito o outro personagem suas idéias e suas falas, já que logo que conhece Wanda, e implora que ela seja a mulher ideal que gosta de surrar sem piedade um homem a seus pés, Wanda é mostrada como uma mulher inteligente, doce desde o início e defende um amor sem culpa: “De um outro modo não renascerei tal como sou. Porque então renunciar a todas as minhas vontades por causa dessas ideias? Pertencer a um homem a quem não amo pela razão de que o amei alguma vez? No, não renunciarei; amo a quem me agrada e torno-o ditoso. A caso é isto repugnante? Não; pelo menos é muito mais formoso do que se me regozijasse do tormento cruel que provocam os meus encantos, e me desviasse, virtuosa, do desgraçado que se consome por mim. Sou jovem, rica e bela, e vivo somente para o gozo e o prazer.”

Severino é que convence a viúva Wanda a aceitar o contrato que ele mesmo redigiu tornando-se seu escravo em todos os sentidos e apenas seria liberado de sua servidão quando Wanda assim decidisse, embora vamos ver no desenrolar que não foi bem assim que se desfez o relacionamento, mas o fato é que mesmo com todas as regalias que possa ter uma mulher com um homem se passando por capacho, o romance entre dois acaba por parte dela, pois ele não possui uma característica de um parceiro de verdade que Wanda parecia procurar, mas foi ele quem transformou Wanda em uma pessoa cruel e aos poucos ele vai se despersonalizado, se autodestruindo ao entregar sua vida a seu sonho, quase se suicida por sua deusa.

Com isso, consegue se diminuir como pessoa, desumaniza, apenas conquistando, por fim, o desdém da amada que no final encontra o que realmente ela deseja, um macho viril e forte que possa dominá-la. Quanto mais ele demonstrava estar aos seus pés, mais ela começava a desprezá-lo já que o amor não está mais presente na relação por parte dela e fica evidente que ela não conseguiu se encaixar na forma de amar de Severino. Numa das falas dela Wanda se mostra cansada sem prazer de ser o que ela era “Aborrece-me e não chega a me distrair 2 horas seguidas. Não me fitas assim” Ela o empurra com o pé e continua: “Não é o que desejo, você não é um homem, é um verme, uma coisa”. Mas ele matem agindo da maneira que agia. O despreso é pior que todas as punições por que Ele já passou, o desdém, pois ela anula a presença de um escravo, isto é, ele deixa de existir para ela.

É uma obra naturalista, ao colocar uma forma de amar muito diferente do aceito pela sociedade da época e até nos dias de hoje. Wanda acaba se tornando de fato uma mulher cruel devido ao meio em que está e o machuca ao extremo, sem dó ou compaixão, existem palavras que demonstra o zoomorfismo, como “seja um cão”, “...é um verme”. A cena em que ele puxa o arado como um boi e por ai vai. Uma história erótica, com cenas quentes e excitantes, mas contém bastantes elementos fetichistas. O. fetichismo está tanto no uso obrigatório das peles sobre o corpo da Deusa, como no chicote e na estátua da Deusa Vênus. A realidade que choca, a história baseada em experimento, a estrutura de tese desenvolvimento e conclusão deixa clara as características naturalista da obra.

Por falar em tese, a conclusão a que ele chega é a impossibilidade da relação de poder na relação entre homem e poder, ou é dominador ou dominado, não existe outra saída: “A moral é que a mulher, tal como a natureza a criou e como o homem atualmente a educa, é sua inimiga, podendo tão-somente ser sua escrava ou sua déspota jamais sua companheira. Isto, só quando ela tiver os mesmos direitos que ele, só quando por nascimento, pela formação e pelo trabalho, for igual a ele.”.
O que se chama de comportamento masoquista fica evidente no seguinte pensamento de Severino: “Só se pode verdadeiramente amar o que está acima de nós, o que nos oprime pela beleza, pelo temperamento, pelo espírito, pela força de vontade, e se torna nossa déspota”.

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