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Grande Sertão: Veredas

  • Foto do escritor: Fernando Carlos
    Fernando Carlos
  • 16 de mar. de 2019
  • 9 min de leitura

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João Guimarães Rosa.

Resumir esse livre de quase 600 páginas é uma audácia, pois é repleto de interpretações, com intertextualidade de livros do oriente e ocidente, cheio de questões filosóficas que vai além do que é o bem e o mal, o certo ou o errado e sem respostas fáceis para questões levantadas pela história, portanto, qualquer tentativa de explicar, resumir ou falar da obra é mera especulação e reducionismo, basta saber que está entre as 100 obras mais importante da literatura nacional brasileira, senão a maior.

Guimarães Rosa faz uma obra com uma estrutura nunca até então vista. Em primeiro lugar não tem capítulos, é um monólogo onde um jagunço letrado conta sua vida de mais de 30 anos para um interlocutor que parece ser muito mais letrado e culto que esse jagunço. Só o fato de ser um diálogo, já deixa de ser monólogo, pois o Jagunço Riobaldo conversa com seu interlocutor, tipo assim: “Ocê ta entendendo? Pois é nem eu”.


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Veja que não escutamos a voz do ouvinte, mas sabemos o que ele falou. A narrativa é na primeira pessoa e cronologicamente falado, mas nem isso é respeitado, pois como é um relato da memória do Riobaldo, ele salta no tempo, vai pegando as lembranças mais importantes e falando. Aqui tem a figura de uma paixão dele, que é Diadorim e assim como na obra de Machado de Assis “Dom Casmurro”, não sabemos o que passa na cabeça de Diadorim assim como não sabemos o que pensava Capitu.

Falar de intertextualidade é um capítulo a parte, umas obvias, outras nem tanto. Temos a referência de Fausto de Goethe, que ainda se refere a Doutor Fausto de Thomas Mann numa clara alusão do pacto com o Diabo que Riobaldo faz para ter coragem. Sim, um gangaceiro que é covarde, que busca sua valentia através de outro cangaceiro mais jovem e delicado e que é sua paixão, sem saber que ele era uma mulher.


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Ele é uma mulher vestida de homem, pois para viver no sertão deveria ser macho. Certamente lembramos imediatamente da obra “Luzia Homem” de Domingos Olimpio do final do século XIX e que nos remete também a camponesa francesa Joana D´Arc, que teve que se vestir de homem para liderar a guerra contra a Inglaterra. Riobaldo, além de ser um cangaceiro covarde ele é um pensador existencial, referencia a obra de Willian Shakespeare, nosso Hamlet do sertão, pois a todo momento ele questiona se tem coragem de declarar seu amor para Diadorim, mas ele tem coragem de vender a alma ao Diabo.

A obra é de difícil compreensão, devido a sintaxe usada, a linguagem popular do norte mineiro, os neologismo de Guimarães Rosa e as não revelações das questões colocadas no texto, por exemplo, logo no início Riobaldo na pré adolescência tem que atravessar a margem do Rio de Janeiro (Rodejanero) , mas tem medo, até que ele avista um jovem da sua idade, com olhos verdes, delicado e sente uma grande atração e que o convida para atravessar o rio e pergunta:

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Quantas margens tem o Rio? Ele responde duas, mas o menino diz que são três margens. Qual seria a terceira? O fundo do rio? Nada fica claro. Nem o título do livro, pois grande sertão é um lugar seco e despovoado sem caminhos. Vereda significa rios ou caminhos, ou travessia e a história começa falando de travessia. Será que a obra toda é uma travessia? Também fala que para viver tem que ter coragem e assim se atinge a terceira margem do rio. E ai?

Guimarães Rosa é autor da terceira Geração Modernista e escreveu esse livro em 1956, sendo que a história se passa na década de 20, em que havia no sertão a Coluna Prestes, mas não é citada, pois a obra quer ser atemporal. Mesmo o sertão não é um lugar comum, pois temos vários rios e caminhos que vão desaguar no grande Rio São Francisco.


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O nome do personagem não é a toa que tem no nome a palavra Rio, Riobaldo, fora que as descrições da paisagem é de uma poética que nos leva a um lugar paradisíaco e não aterra seca descrita por Graciliano Ramos em sua obra “Vidas Secas.” Para escrever essa obra, Rosa viajo 250 km por Minas nas regiões mais sertanejas para sua pesquisa em 1952 e fez uma descrição de um sertão líquido, muito original onde o bem e o mal está misturado, não é um lugar maniqueísta, onde temos um herói bom e um rival mal, nada disso, o jagunço mais temido, mais violento chamado de Ze Bebelo vai ser revelado como o pai de Diadorim, a grande motivação de seu filho(a) manter o bando unto, com apoio de Riobaldo para vingar sua morte por traição. Existe ambigüidade em toda a obra, essa é uma delas apenas. O homem que mata é um bom pai, um bom amigo. Para Riobaldo diz que Deus as vezes é preguiçoso e instável, deixa ir para o mal e para o bem.


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No decorrer do monólogo, depois de discursar sobre o bem e o mal, da existência e tantas outras coisas ele revela ao interlocutor que ao conhecer um jovem na sua infância, ficou encantado e o nome dele era Reinaldo, o jovem que o ajudou ele ter coragem de atravessar o rio para outra margem. Veja novamente que no nome tem a palavra Rei, aquele que reina.

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Bem mais pra frente, ele já formado em letras é mandado pelo seu padrinho Selorico Mendes, já que era órfão de pai e mãe, a instruir Zé Bebelo para ser um deputado, mas que depois, junto com outros cangaceiros como Joca Ramiro, Hermógenes e Ricardão irão formar um grupo poderoso de jagunços valentes que vai encantar o professor Riobaldo. Temos uma critica social mostrando que nessa época o Brasil era apenas o eixo Rio-São Paulo, pois o resto era terra de ninguém vivia quem podia mais, onde as leias eram outras. Mais uma vez temos a ambigüidade declarada, pois para Zé Bebelo ser deputado ele precisava colocar a paz no sertão, teria como? Claro que não, eles formaram um bando de jagunços e Riobaldo entra para esse bando.

Riobaldo recebe o apelido de Tatarana, nome de um réptil que é certeiro na sua caça, assim como Riobaldo era certeiro com sua arma. Ele está como jagunço de Zé Bebelo, mas e é quando ele conhece o jagunço do bando de Joca Ramiro chamado Diadorim, com seus lindos olhos verdes, muito valente e que vai mexer com sua cabeça no sentido de atração homoafetiva e por sugestão de Diadorim Riobaldo muda para o bando de Joca. Depois vamos saber que Diadorim é o mesmo Reinaldo que ele conheceu na infância e teve atração a primeira vista e que Joca Ramiro é seu pai e que ele preferiu que sua filha se travestisse de homem para seguir como seu jagunço, mas nem é esse o foco da intenção de Guimarães Rosa, mas sim essa atração homo-afetiva de um jagunço medroso e culto, letrado e existencialista sente por outro jagunço valente, mas delicado, enfim, são tantas contradições que vira um angu de caroço.


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No desenrolar da trama Diadorim revela-se para Riobaldo dizendo que é uma mulher e nessa hora os pensamentos e sentimentos de Riobaldo ficam conturbados, pois antes ele tinha o Homem Riobaldo como seu ídolo pela coragem, agora ele é uma mulher? Como concatenar ter um ídolo mulher? E sua atração pelo homem Diadorin? Mas nem dá tempo para tanta filosofia, pois o seu bando consegue capturar Zé Bebelo, com sua anciã de querer ser político e entregar para o chefe Joca Ramiro para matá-lo, mas esse se recusa a dar cabo da vida e decide exilar o Zé Bebelo mostrando fraqueza nesse gesto. Outra contradição, é sensato ou é fraqueza deixá-lo vivo? O fato é que seu bando tem um representando do mal, dizem que ele fez pacto com o Diabo e seu nome é Hermógenes que vai assumir o bando e matar Zé Bebelo por traição e seu apelido será Judas, referencia a Bíblia, outra inter-textualidade assim como foi na obra “A Hora e vez de Augusto Matraga” na cena de Jesus no burrico entrando em Jerusalém.


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Teremos a segunda guerra, agora com o bando dividido, sendo que Ze Bebelo volta para se juntar a Riobaldo e Diadorim para lutar contra Hermógenes e Ricardão. Lembramos que a obra foi escrita após a segunda guerra mundial que terminou em 1945, que dizer, 10 anos depois. Hermógenes faz referencia ao Deus Hermes. Na mitologia grega, Hermes era o deus mensageiro, dos pesos e medidas, dos pastores, dos oradores, dos poetas, do atletismo, do comércio, das estradas e viagens e das invenções. Era considerado, na Grécia Antiga, o patrono dos diplomatas, dos comerciantes, da ginástica e dos astrônomos. Dele temos a palavra hermético que significa vedado intrincado apocalíptico nebuloso obscuro enigmático confuso intricado estanque misterioso esfíngico ininteligível indecifrável selado lacrado.


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Riobaldo com tanto medo de enfrentar esse Hermógenes decide entregar sua alma ao diabo e fazer um pacto com o diabo. Aqui outra contextualidade com a obra de Thomas Mann, Doutor Fausto, século xv. Seu personagem era um físico, estudioso e não conseguia atingir suas metas e faz um pacto com Mefistófelis e consegue ter façanhas inacreditáveis. Outra referencia é Goeth que escreve O fausto em 1801, uma epopéia em versos que também vai ter esse pacto com o demônio. Guimarães Rosa vai utilizar as duas obras e a cena descrita na entrega de Riobaldo ao diabo é de uma beleza indescritível, impressionante, uma das pérolas dessa obra dentre tantas. Outra coisa interessante é que Deus só tem um nome inequívoco na obra, mas o diabo tem 95 nomes. No encontro numa encruzilhada com o diabo, Riobaldo o chama, mas não é atendido prontamente e depois ele pega no sono e o diabo aparece e temos um espetáculo onírico narrado. O fato é que para nós leitores, não fica evidenciado se houve tudo que foi descrito ou se foi apenas um sonho, mas o fato é que Riobaldo volta com uma coragem admirável.


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Nesse ponto temos muitos questionamentos filosóficos, sociológicos, e psicológicos. Foi um sonho? O sertão é real? A coragem é de fato real? E se tudo for um sonho? Viver é muito perigoso e a certeza é muito complicada e ele vai e a amizade para ele é cheia de neblina, que significa nuvem e nuvem deu origem a palavra casamento, pois as noivas usavam uma nuvem nos cabelos, essa neblina tem esse significado porque o desejo do Riobaldo é o matrimônio, mas isso é totalmente impossível, imaginem no meio dessa jagunçada dois homens namorados? Como falar que Diadorim não é homem na altura do campeonato? Impossível, relação totalmente inviável. Tanto é que o autor vai terminar a obra com a morte de Diadorim. Existe uma batalha final, o apocalipse onde o bando do Hermógenes é cercado e Diadorim quer vingar a morte de seu pai e o chama para um duelo com facas consegue matar Hermógenes, mas ele também é atingido e morre. Na hora de retirar as roupas para preparar o corpo, lavar é que todos descobrem que ele era uma mulher.


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Assim como em Dom Casmurro, como temos somente a voz do Riobaldo, fica no ar se ele amava um homem de fato ou se ele amava um travesti. Ele sabia que Diadorim era uma mulher? Não, mas não podemos afirmar nada, assim como não sabemos se de fato Capitu traiu.

Riobaldo descobre que Diadorim é mulher somente nessa hora, mas será? Riobaldo se divide entre outras duas mulheres: Nhorinhá, prostituta com quem manteve relações sexuais, e Otacília, moça de família, que conhece durante as viagens. O fato é que ele vai se casar com Otacília e diríamos que no final dessa história ele vai ter certeza que o Diabo não existe não; eu não fiz nenhum pacto e vai ser extremamente católico e negar o pacto uma vez que o diabo não respondeu.


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As questões vão ficar no ar para o leitor quebrar a cabeça; E se o Diabo existe? Ele fez ou não fez o pacto? Como ele conseguiu se transformar num “Urubu-branco?” apelido para um cangaceiro muito valente?

Nada de respostas, uma obra enigmática, complexa e riquíssima. Obra prima.

Filme

Grande Sertão (1965). Direção e roteiro de Geraldo Santos Pereira Elenco: Mauricio do Valle, Sonia Clara, Jofre Soares e Milton Golçalves

Baseado no livro Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, o filme conta a história de Riobaldo, homem que se junta a uma trupe de jagunços que procurar vingar a regiões do sertão mineiro.

Sinopse: Riobaldo, afilhado de fazendeiro, vai dar aulas a Zé Rebelo que é chefe de um bando armado contratado pelo governo para acabar com os jagunços do sertão. Neste grupo, Riobaldo toma conhecimento da justiça própria do sertão. Quando Riobaldo resolve se afastar desse "mundo", conhece Diadorim, um membro do bando de Joca Ramiro, jagunço conhecido por sua justiça. Na travessia do Planalto Central, Joca Ramiro é assassinado por Hermógenes, traidor de seu próprio grupo. A todo custo Diadorim quer vingar a morte de seu chefe.


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O grupo vai passando por uma frequente troca de líderes. Durante todo esse tempo a atração de Riobaldo por Diadorim, um jagunço que esconde de todos ser mulher, só aumenta. No entanto, Riobaldo se divide entre outras duas mulheres: Nhorinhá, prostituta com quem manteve relações sexuais, e Otacília, moça de família, que conhece durante as viagens. Fugidos dos soldados, o grupo de Riobaldo abriga-se na fazenda de sêo Habão, que quer todos os jagunços como escravos em sua lavoura. Então, Riobaldo decide fazer um pacto com o diabo. Em seguida, torna-se chefe do bando. Na batalha final, para desespero de Riobaldo, Diadorim é morto mas assassina Hermógenes. Só então, é revelada sua identidade feminina. No fim da história, Riobaldo casa-se com Otacília e torna-se fazendeiro.

Trilha sonora de Radamés Gnatalli.

O filme faz parte do chamado "Ciclo do Cangaço do Cinema Brasileiro é é uma adaptação muito fiel a obra, que por sinal é bastante incompreensível numa primeira leitura, até mesmo filmado e adptado para que entendamos de pronto, algumas coisas ficam obscura, mas que não perde a força narrativa, muito menos a dramaticidade, nota 10.

 
 
 

1 Comment


fabiovianaradialista
Mar 17, 2019

Assisti agora á pouco no Youtube esta dica e também acabei de ler a sua análise do livro e do filme aqui no blog, apesar que eu não li o livro de Guimarães Rosa. Comentando sobre o filme é muito bom, bem enigmático e interessante, as guerrilhas nas cenas de ação são bem feitas, tem uma belíssima fotografia assinada por José Rosa e a trilha sonora por Radamés Gnatalli complementam as coisas boas que o filme oferece. O elenco é muito bom com atores consagrados e performances excelentes como a do ator Mauricio do Valle, Milton Gonçalves e de Jofre Soares que é considerado um dos maiores atores do cinema nacional.


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