O Capital
- Fernando Carlos
- 8 de jun. de 2019
- 10 min de leitura

Karl Marx
Certamente todos os economistas e sociólogos vão confirmar que esse livro é a bíblia do capitalismo e uma das obras mais influentes no caminho da história do século XX, já que vivemos a consolidação do capitalismo, mas do que se trata o livro?
Não é fácil compreender toda sua complexidade e dependendo de quem lê, vai avaliar de uma forma diferente. A obra toda foi planejada em 4 livros, mas pelo que temos conhecimento, cada livro foi publicado aos poucos e os dois últimos estava em manuscritos, pois Karl Marx (1818-1883) faleceu. Dessa forma temos o seguinte:
Livro I - o processo de produção do capital (publicado originalmente em 1867)
Livro II - o processo de circulação do capital (publicado originalmente em 1885)
Livro III - o processo global da produção capitalista (publicado originalmente em 1894)
O livro IV não foi publicado. Portanto vamos inicialmente analisar o primeiro livro, considerado por todos os estudiosos da obra de Marx o livro mais difícil de se compreender e mais polêmico, já que ele tem uma visão materialista do mundo e afirma que é a infra-estrutura, isto é, o modo de produção que determina a super-estrutura, qual seja as idéias, a cultura e a intelectualidade e nessa obra ele faz um esforço hercúleo para entender o que seja o preço de uma mercadoria e começa com a seguinte pergunta: Como podemos dar o valor real de algo?

Livro I – Capitulo 1 – A mercadoria
No processo de produção capitalista entende-se que um sujeito planeja produzir algo, adquire os meios de produção (matéria prima, instrumentos, mão de obra, etc.) planeja quanto tempo e quais tipos de energia vai utilizar e finalmente termina com uma mercadoria, coloca o preço e vende. Pois bem, Marx inverte toda essa linha de raciocínio e começa seu livro estudando justamente o produto final do processo de produção. Essa constatação para ele é óbvia, a mercadoria é o fenômeno mais visível, é tudo que se relaciona com o sistema capitalista, é o que move o processo, seja a venda das forças de trabalho, seja na venda do produto chamado mercadoria, isto é, a mercadoria é o fator material mais importante e fundamental para o capitalismo e que vai gerar vários problemas relacionadas a mercadoria nas quais ele vai destrinchar por todo o restante de sua obra, quais sejam, a alienação das pessoas envolvidas com essa mercadoria, a fetichização, alienação e o problema do valor da mercadoria.

Valor da mercadoria.
Para Marx uma mercadoria possui um valor. Como se determina o valor de alguma coisa? O mais fácil de entender é pensar na necessidade que uma pessoa tem de alguma coisa. Se essa pessoa necessita muito de alguma mercadoria, essa mercadoria vai ter um valor estimado pelo valor de uso, isto é, o valor relacionado diretamente ao que uma pessoa vai fazer com essa mercadoria, para que ela precisa usar essa mercadoria? Vai geram um valor que Marx chama de valor de uso.
O valor de uso está diretamente relacionado com o valor de troca. Cada pessoa vai sentir necessidade de uma mercadoria específica. Se eu tenho uma cadeira que é importante para um tecelão e ele tem uma blusa que é tão importante para mim quanto a cadeira para ele, poderemos valorar as mercadorias para trocar simplesmente uma pela outra. Dessa forma chegamos a conclusão que uma mercadoria tem um valor de uso e um valor de troca. Observe que nesse exemplo temos mais dois fatores que vai determinar o valor, que é a matéria prima e o trabalho envoklvido para se fazer uma cadeira e uma blusa, portanto Marx vai analisando a mercadoria pronta e olhando para o modo de como foi feito e com que foi feito, mais ainda, por quem foi feito, seja uma pessoa ou mais e isso vai dando o valor da mercadoria. O ponto filosófico que Marx discute sobre o preço da mercadoria já aponta que a quantidade de uma coisa, por exemplo, na cadeira vai madeira e pregos, na blusa vai tecido e botões e não é a quantidade e nem a qualidade que determina o valor, pois existe o trabalho do artesão, o tempo gosto e a técnica envolvida e nada disso aparece na mercadoria final, somente aparece a aparência (manifestação exterior) e não a essência. Portanto temos a quantidade visível, mas não se cogita o duplo caráter da mercadoria, já que para se determinar o valor devemos saber se o trabalho foi simples ou complexo. Uma blusa vem do tear da linha, uma cadeira vem da transformação da um tronco de árvores em tábuas.

2) Duplo caráter da mercadoria.
Quando existem outros envolvidos na manufatura da mercadoria teremos dois tipos de trabalho, o simples e o complexo.
O trabalho simples é definido como sendo de uma pessoa realizar sozinha a manufatura de uma mercadoria. Quando para se realizar uma mercadoria a pessoa necessita do trabalho de outra pessoa em outro tipo de trabalho, teremos o que Marx chama de complexo. As coisa vão ficar mais difíceis a medida que não basta dois tipos de trabalhos distintos para se fazer uma mercadoria, mas sim várias forças de trabalhos. Isso é vai dar a base para se determinar o valor da mercadoria, essa quantidade de “trabalhos” envolvidos para se chegar numa mercadoria.
3) A forma de valor ou o valor de troca.
Esse é um dos capítulos mais confusos e difíceis de entender, pois ele vai tratar de qual é o valor de uma mercadoria e como vimos no início existem várias considerações para se determinar um determinado valar
a) Valor de troca simples. Nesse caso ele coloca que uma mercadoria pode ser trocada por outra sem nenhum julgamento complexo, mas simples. Coloca-se uma mercadoria como sendo a forma ativa da relação, por exemplo, colocamos a blusa como a forma ativa. Nesse caso, uma blusa equivale a quantas cadeiras? De forma simples, podemos dar um valor de 2 cadeiras. Dessa forma a cadeira é a forma passiva da troca e dessa forma se faz uma regra de valar, a cada blusa equivale a 2 cadeiras. Cadeira é a forma relativa e blusa é a forma equivalente. Os economistas chamam isso de forma natural, forma simples de troca e de valor sem a necessidade de moeda (dinheiro), praticada desde sempre, desde as tribos e depois se praticava no que historicamente se chamava de mercantilismo, mas já existia a noção de valor de uso (substância do valor) e de troca.
b) Forma de valor total e desdobrada. Aqui já temos uma sistematização na troca de mercadoria, temos uma forma generalizada em que não pode ser uma mercadoria pelo equivalente a essa mercadoria e essa forma equivalente gera é chamada de dinheiro, a forma equivalente a todas as outras formas de valor. Nesse caso se convenciona algo que seja o equivalente geral, seja outro, prata, dinheiro ou o que uma civilização determinar como equivalente geral (cheques, cartão de crédito, nota promissória). A forma de valor equivalente geral é só a imagem, o reflexo, é grandeza, forma e quantidade, pois a substância não está nela, agora a forma relativa é que é conteúdo, substância e quantidade. A alienação já começa ai, o estranhamento, a não identificação, o não reconhecimento, pois a forma de valor equivalente real é apenas o reflexo e não o real.
c) Forma Geral de valor. 1) caráter modificado da forma-valor. 2) Relação desenvolvimento da forma-valor relativa e da forma equivalente.3) Transição da forma valor geral para forma dinheiro.

No item 1, Marx coloca que o produto de referencia para a troca com outras mercadorias é o equivalente ao dinheiro, mas ainda ele é um bem e não um papel moeda. O referencial que vai servir para mensurar qualquer valor, seja de troca, ou de uso é o trabalho, dessa forma para se chegar a um denominador comum sobre o valor das coisas é necessário saber a quantidade de trabalho para se chegar a uma mercadoria. Quando falamos quantidade, estamos falando de tempo de trabalho, pois qualitativamente um trabalho é diferente de outro tipo, uma coisa é sentar e confeccionar uma blusa e outra são ir para a marcenaria e construir uma cadeira, o que igualaria ambas é o tempo de trabalho e deve ser medido em horas de trabalho.
Agora o item 3. A partir daí é fácil criar um valor, mas sem contar com o que vem além das horas de trabalho, capacidade, velocidade, facilidade, nada, mas foi assim que se determinou um valor para a mercadoria e daí a criação do papel-moeda dinheiro, que chegou somente na sociedade capitalista. Marx considera a criação do dinheiro como sendo histórico e anti-natural, portanto não existirá para sempre, nem se pode achar as leis naturais da economia, pois o capital é histórico e construído pelo homem. A medição do trabalho transformado em valor e depois dinheiro somente pode ser considerado se todas as civilizações tiverem trabalho livre, pois se tivermos uma civilização com escravos, não seria possível comparar a divisão do trabalho e assim pode-se generalizar o valor de trabalho.

Considerações.
Para Marx uma mercadoria tem em si seu valor, que ele identifica como o valor de uso, pois cada objeto terá em si seu valor, pois será necessário em si por alguém ou alguma pessoa. Os valores de troca como vêm é apenas o reflexo do que se tem como valor de uso, portanto o real valor é o valor de uso o objeto. Desa forma ele identifica uma antítese entre o valor de uso e o de troca, existe uma contradição entre as duas, pois se uma mercadoria é o referencial da outra, isso significa que essa outra mercadoria não tem um valor em si, e na verdade tem, mas é negado a partir do fato de que ele representa o reflexo. Vejamos, se uma cadeira tem o mesmo valor de troca de uma blusa, a blusa em si tem o valor da cadeira e não importa aqui se houve mais trabalho que realizar a blusa do que a cadeira, nem as horas trabalhadas. Existe uma contradição, pois o trabalho concreto de quem realizou a blusa é desconsiderado, somente o valor é dado pela referência ao outro produto. Ai está o fetiche do dinheiro, pois desconsideramos todo processo social do trabalhador de tal mercadoria.
Quando chegamos ao desenvolvimento da forma-valor relativa para a forma equivalente, onde cada mercadoria tem um referencial igualitário, tivemos um representante material limitado, que foi o ouro e prata, isto é, o valor era baseado nesses metais e como ele era limitado, trocou-se por papel moeda, porque o problema não está no produto e sim na representação dele.
4) Fetiche do dinheiro.
Para que o dinheiro possa funcionar como equivalente geral, ele não pode representar ele trabalho nenhum, já que ele representa todos. Ele é puramente trabalho abstrato que não tem concretude, ele é espelho, ele não é sujeito, é objeto. Numa sociedade capitalista as pessoas acham que para se obter as coisas precisa ter dinheiro e dessa forma o dinheiro passa a ter um valor por si mesmo. Ele passa ter um valor de uso, quando na verdade ele existe como valor de troca apenas e a isso Marx chama de alienação, que se dá quando o sujeito considera para se ter as coisas tem que ter o dinheiro e tudo é nada mais nada menos que dinheiro ele dá ao dinheiro um valor de uso e não de troca, que é a sua real essência. As pessoas deixam de reconhecer as coisas que elas fazem o seu trabalho e o seu valor. As coisas se invertem nessa equação, pois a mercadoria passa a ter um valor em si, por exemplo, essa cadeira é barata, vale tanto dinheiro e essa blusa é cara, vale muito mais dinheiro, quer dizer, o dinheiro é que vai ser o referencial de que mercadoria é melhor. A alienação leva o sujeito a pensar que o que é mais caro é melhor e nem sempre é. A humanidade nas coisas fabricadas some, deixa de existir o reconhecimento do trabalho humano nas mercadorias. Dessa forma, a mercadoria toma o lugar do humano, pois ignora o trabalho, sendo que para Marx é pelo trabalho que o ser humano se confronta com as forças da natureza e, ao mesmo tempo que as modifica, transforma a si mesmo, humaniza-se.

Georg Lukács foi um filósofo e historiador literário húngaro. Ele tornou-se um dedicado marxista à luz da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa e juntou-se ao clandestino Partido Comunista da Hungria em 1918 e coloca outros termos, reificação, que vem da palavra grega res= coisa, coisificação da mercadoria no lugar do humano, do ser. A mercadoria não tem vida, não tem sujeito, é uma coisa, um objeto.
No sistema capitalista o indivíduo não pensa no trabalho que ele mesmo realiza, sem ter noção do que está fazendo, não está se realizando, ele deveria pensar no que faz, ele transfere isso para outra pessoa e se torna alienado e diminui o real valor do trabalho. No modo de produção capitalista é ruim porque aliena o trabalhador. A mercadoria ganha vida, o que chamamos de fetichismo da mercadoria e o operário se transforma numa mercadoria, o que chamamos de reificação, os produtos ganham vida e as pessoas se transformam em mercadorias.
Partindo para os outros livros, teremos a definição de mais valia ou mais valor, outro termo cunhado Adam Smith e aprofundado por Marx. A definição ortodoxa de Marx seria o seguinte: “Mais Valia absoluta consiste na intensificação do ritmo de trabalho por uma serie de controles impostos aos operários, que inclui da mais severa vigilância a todos os seus atos na unidade produtiva até a cronometragem e determinação dos movimentos necessários a realização das suas tarefas. Mais valia relativa é o aumento da sua produtividade resultante de novos métodos de produção, nos quais o trabalho morto sob a forma de máquinas assume o lugar do trabalho vivo e reduz o valor dos bens individuais produzidos.”

Na prática é o seguinte, nunca o trabalhador que vendeu suas horas de trabalho vai receber o equivalente ao que ele produziu, isto é, se ele trabalha oito horas por dia e produziu um X de valor real de mercadoria, ele irá receber apenas uma parte desse valor que ele produziu porque ele está usando os instrumentos ou máquinas da firma, a energia gasta, a estrutura burocrática e a matéria prima que a firma comprou e o patrão tem que ter seu lucro, portanto jamais o empregado recebe o valor do que produz, mas o que Marx fala é que existem horas trabalhadas retirando todas as horas realmente usadas para dar lucro e pagar os gastos que não são pagas ao trabalhador, quer dizer, retirando todos os gastos e lucro inerente a produção, o que o trabalhador recebem é muito menos do que deveria receber e essas horas não pagas é o que se chama de mais valia. Dessa forma, no caso da mais valia absoluta, quando o dono da fabrica aumenta o tempo de trabalho por dia, de oito para 10, ele ganha mais e retém mais dinheiro devido a mais valia, embora o trabalhador também recebe mais no salário, sem perceber que o patrão recebe mais ainda. No caso da mais valia relativa as coisas são mais diretas, já que é colocado uma

máquina para realizar vários trabalhos e como uma máquina não recebe salário, o trabalhador deixa de ser responsável por esse trabalho, mas terá mais serviço, pois quem ficar cuidando do que a máquina não faz, terá que supervisionar outras tantas atividades e receber o mesmo salário de antes e outros perderão seus postos por ser substituído pelas máquinas. Dessa forma a mais valia são as horas não pagas para o trabalhador e que pode ser retirado com o aumento do trabalho dele ou aumento do ritmo do trabalho.
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