O Corcunda de Notre-Dame
- Fernando Carlos
- 28 de jun. de 2019
- 9 min de leitura

Victor Hugo.
Sem sombra de dúvida o autor Francês Victor Hugo é o maior representante do Romantismo no mundo. Essa obra foi a segunda escrita, sendo que ele já havia escrito poesias e dramaturgia, além de outro romance chamado Bug-Jargal em 1826 e com apenas 28 anos de idade. Tem mais de 1000 páginas e foi escrita com pena, nanquim em papel não dobrável, o que impressiona é a velocidade, criatividade e tino político que o jovem autor já despertava, além é claro, a capacidade de criar uma obra tão vasta e tão cheia de personagens complexos com personalidade profunda em tão pouco tempo e tão jovem e nos comover a cada vez que voltamos a obra.
Não é a toa que é uma das principais obras do mundo, pois foi sucesso de público e crítica da época e é consenso até os dias de hoje. Ela foi escrita e publicada em 1831 e, se todos conhecem essa década, tivemos uma revolta liderada por estudantes que protestavam contra a volta do antigo regime depois da morte e fim do império de Napoleão Bonaparte em 1815, então imperador da França, tanto que o próprio Victor Hugo retrata essa passagem na sua outra obra prima, Os Miseráveis. Nada do que o autor escreve é à toa, ele sabe muito bem a quem atingir e seus objetivos e propósitos.

Admirado e respeitado por todos os escritores de sua época, até o final de sua vida, temos essa obra como a primeira de grande sucesso.
Devemos destacar que o título original é Notre-Dame de Paris e não enfatiza o tal corcunda, personagem importante, mas que não é o protagonista da história, mas sim a própria catedral. Na época da revolução francesa em 1789 tivemos muita destruição, inclusive essa obra arquitetônica do estilo gótico que levou 2 séculos para ser erguida e fatalmente na época em que Victor Hugo escreveu o romance ao estilo romântico, a catedral estava bem danificada e a idéia era que fosse demolida. A obra coloca a catedral como sendo o centro de tudo que ocorre ao seu redor e no seu interior, ele tem vida, ela sofre, respira e tem uma história, pois tudo que se passa na história tem haver com a catedral. A idéia era preservar a catedral, levando ao leitor ter uma necessidade e um desejo de conservá-la. Assim como no livro O Cortiço, o personagem era o próprio cortiço e aqui é a mesma coisa, embora em estilos diferentes, mas uma coisa tem em comum e é bastante polêmico e controverso, pois o autor é extremamente detalhista ao se referir ao cenário e a própria catedral.

Ele é descritivo a exaustão, quando ele vai falar de paris, pior ainda, ele vai descrevendo casa por casa, a rua, os acidentes e numa linha linear, como se o olhar do escritor fosse uma filmadora registrando tudo. Essa técnica é inovadora, mas para um leitor que não quer saber de descrição,mas sim de ação, isso se torna um problema, mas os que desejam sentir a cena dentro do cenário, gosta, e por isso as opiniões se dividem. O fato é que para os dias, de hoje isso é sensacional, pois temos a descrição exata e sem idealismo da paris da época devido esses registros. Além disso, ilustra de forma magnânima historicamente a vida e costumes da população parisiense da época medieval, já que a história se dá em 1472 na central de Paris e os contrastes dos seus personagens, desde os pedintes e ciganos ao rei e a nobreza.

Como falamos, são várias histórias que se unem ao final e se desenrola dentro e em torno da Catedral de Notre-Dame, que fica no centro de uma ilha Ile de La Cité, no meio do Rio Sena. Interessante notar que o autor, que não perde tempo em nada que coloca nos textos, situa os dois grandes monumentos da cidade à época: a Catedral construída em 1330, que a além de importante local de oração, aceitava órfãos (no caso, o nosso corcunda foi adotado) e pessoas que ali procuravam refúgio da lei e do outro lado o Palácio da Justiça, o que centralizava, na ilha, a religião e o governo de Paris e dessa forma temos o lado místico representado pela Igreja Católica e o poder laico, representado pela Nobreza. No meio fica o povo, que provêm de todas as camadas sociais existentes em Paris na Idade Média: membros do clero e fidalgos cruzavam-se com ciganos e mendigos nas ruas da ilha.

O soberano da época era Luis XI, e costumava assistir diariamente à missa na Catedral. Quanto à forma policial é bom observar que Paris não possuía apenas os oficiais da guarda pessoal do rei e grupos de fidalgos quem patrulhavam as ruas para manterem a ordem, pois onde há muitos pobres, proscritos, pedintes, ciganos, pessoas com deficiências, doentes e ladrões não seria algo tão pacífico assim e eram percebidos pela sociedade como uma ameaça. O povo cigano era nômade e eram chamados de egípcio, não se sabe ao certo o porquê, talvez por acharem que eles eram de lá. O fato é que na língua inglesa gipsy significa cigano.
A Obra gira em torno de um homem coxo, cego de um olho e deformado com uma corcunda enorme que foi adotado pelo arcebispo Claudio Frollo. Ele nasceu assim e foi largado pelos pais e adotado pelo arcebispo ainda bebe. Batizado de Quasímodo, ele passa a ser o sineiro da catedral e tem uma intimidade e amor por esses sinos, mas aos poucos ele foi ficando surdo, só que na história ele aparece muito pouco, embora seja uma figura fundamental e de carga emotiva muito grande.

A outra protagonista é a bela cigana chamada Esmeralda, que de tão linda e sensual, arrebatava corações. Ela representa uma espécie de beleza suprema, quase celestial, o que faz com que Quasímodo e Dom Cláudio se apaixonem por ela, embora ela tenha paixão apenas por Phoebus de Chateaupers, capitão da guarda, é atraído por Esmeralda, mas, infelizmente para ele, já está comprometido com a jovem Fleur-de-Lys, que sente muitos ciúmes da rival, embora ele fosse um homem sem uma moral digna, safado e mulherengo, que só pensa em aproveitar das mulheres sexualmente, mesmo que noivo. Dessa forma Esmeralda atrai três tipos de paixão para ela: Quasímodo ama-a de uma forma desinteressada, Frollo nutre por ela uma enorme paixão doentia, repleta de desejo sexual, muitas vezes terna e carinhosa pela cigana, mas que ele repudia e se tortura, se auto flagela por se sentir atormentado pelo conflito entre o amor por Deus e pela Cigana e a do capitão da guarda é mais sexual que sensual, embora parte dela essa grande paixão, ele só quer tirar proveito, mas se encanta com a cigana e está formado o conflito.
Esmeralda não corresponde ao amor de nenhum dos dois primeiros, preferindo amar Febo, que apesar de dizer que a ama, tem a noiva e apenas sente desejo sexual. O autor dá a cada personagem profundidade e há quem considere Claudio Frollo a personagem mais profunda do livro.

Além desse imbróglio romântico, temos a crítica social do século XV que Victor Hugo levanta: mendigos criando todo um estado monárquico, líder e autônomo nas ruas perigosas reunindo-se no "Pátio dos Milagres", burgueses assistindo aos espetáculos bárbaros e injustos de torturas na praça de Grève, soldados cometendo crimes impunemente, arquidiáconos traindo sua religião e apaixonando-se, ciganos ganhando a vida nas ruas e o próprio rei da época. Vamos nos focar apenas nos personagens citados.
Nossa história começa justamente na festa e eleição do Rei da França e 1482, veja que ele coloca uma data exata para situar o leitor indicando o final da Idade Média. Temos uma trupe de teatro, com quatro atores que farão a representação de uma peçateatral, sendo que cada um dos personagens vai representar algo que Victor Hugo quer criticar durante o restante da história, sendo que um vai representar o clero, o outro a nobreza, depois a mercadoria e finalmente os trabalhadores, sendo que teremos casos amorosos entre o clero e a nobreza e entre a mercadoria e os trabalhadores. Ele descreve quem está assistindo essa peça, mas do lado de fora temos a cigana dançando e sendo observado pelo corcunda e pelo cardeal. Depois temos a eleição do “Papa dos Bobos”, teria que ser o homem com a cara mais feia e cabe ao Quasímodo o prêmio e a coroa.

A jovem cigana Esmeralda dança na praça da Catedral de Notre-Dame e sua beleza transtorna o arquidiácomo Claudio Frollo, que fica louco por ela e para se livrar da tentação, ordena ao Quasímodo, rapte a moça e sumir com ela, mas ela é salva por um grupo de arqueiros, comandado pelo capitão da guarda Phoebus, por quem ela vai se apaixonar e demonstra todo o amor tempos depois do acontecido. Ele é comprometido com a jovem Flor de Lis, mas fica seduzido pela cigana e marca um encontro em um local fechado mas, quando está chegando a seu objetivo, Frollo aparece e o apunhala e coloca a culpa na cigana.
Frollo demonstra sua atração pela cigana que, para escapar do Suplício, se entregar a ele, mas nada a liberta da forca. Quasímodo, que também a ama, porém de forma desinteressada, se apossa dela e a leva para dentro da igreja, onde a lei de abrigo a torna protegida. Quasimodo passa a noite tratando dela.

Existe uma legião de vagabundos com quem Esmeralda vive e vêm libertá-la tentando invadir a Catedral. Quasímodo faz a defesa sozinho por dentro da igreja, lançando pedras, barra de ferro, madeira e chumbo derretido sobre os invasores do alto das torres. Frollo aproveita-se do tumulto formado para fugir com a cigana e tenta seduzi-la, mas ela resiste. Furioso com sua recusa, ele a joga num buraco chamado de "buraco dos ratos" onde fica uma velha e diz a essa velha que ela se enterrou por vontade própria e, portanto é considerada louca. Frollo, na verdade, considerava-a uma bruxa e que foi enfeitiçado por essa bruxaria. Essa velha que estava no buraco, ao invés de matar Esmeralda, reconhece na cigana sua própria filha e a poupa. Temos um tempo de paz na história, mas os guardas da cidade a encontram e ela é encaminhada novamente para a sua execução, na praça da catedral.
Do alto da catedral, Quasímodo e Frollo assistem à execução.

Do alto da catedral Quasímodo e Frollo assistiram a execução e ao ver o sacerdote sorrindo, o sineiro se enfurece empurrando-o telhado abaixo e desaparecendo para sempre. Muito tempo depois enquanto os soldados procuravam por um corpo qualquer, no local onde Esmeralda havia sido sepultada, são encontrados dois esqueletos abraçados, um deles com uma deformidade eminente nas costas. O homem a quem esse esqueleto pertencia viera até ali e ali morrera abraçado a jovem. Na tentativa de desprendê-lo do esqueleto a que se abraçava, desfizeram-se ambos em pó.
O final é tão tocante e o autor escreve de uma forma que fica para a história da literatura algo que é impossível de não se emocionar ou até de chorar. Um final trágico, ao mesmo tempo romântico imortalizado nessa obra.
Esmeralda nunca fez nada para causar desejos nos homens, ela era a força da natureza e por sorte ou azar, tinha um poder de sedução sem igual, mas sem maldade e portanto sua ingenuidade e pureza descobriu a maldade dos parisienses e é uma das mensagens que o autor deseja passar e o preconceito contra os ciganos e por ela ser mulher.

Outro ponto é a obsessão que uma mulher pode despertar num homem bom e santo, já que em algumas passagens se mostre caridoso e preocupado com os outros, é corrompido pelo seu desejo, se tornando mesquinho e violento e não podemos deixar de ver a crítica a Igreja Católica, a corrupção presente no próprio clero, representado por Claudde Frollo, o levam a renegar a sua fé e matar o capitão por ciúmes e pior, incriminar Esmeralda.

Sobre a realeza é possível ver um sistema onde o povo era oprimido e a justiça estava na mão dos poderosos. Certamente essa grande obra mostra uma sociedade marcada pela ignorância e pelo preconceito que, desde aquela época e ainda hoje vemos a rejeição de tudo aquilo que é diferente e considerando feio ou perigoso.
Filme
Temos várias adaptações da obra, seja em ópera, desenho animado e filmes: O Corcunda de Notre-Dame (The Hunchback of Notre Dame) de 1923 com direção de Wallace Worsley com Lon Chaney, Patsy Ruth Miller; O Corcunda de Notre-Dame (The Hunchback of Notre Dame) de 1939 com direção de William Dieterle com Charles Laughton, Maureen O'Hara; O Corcunda de Notre-Dame (The Hunchback) de 1997 com direção de Peter Medak com Salma Hayek, Mandy Patinkin e é desse que iremos tratar.

Sinópse: Idade Média, Paris. O corcunda Quasímodo (Mandy Patinkin) mora em uma das torres da catedral Notre Dame. Isolado e incompreendido pelo povo da época, ele se esconde do mundo, vivendo como um pária. Durante um passeio pelo mundo exterior, ele se apaixona pela cigana Esmeralda (Salma Hayek ), uma jovem perseguida pelo sacerdote Dom Frollo (Richard Harris).
O filme altera coisas essenciais da obra original, que podem conferir no meu blog. Trocaram a paixão da cigana, que no livro é pelo capital de polícia, sem caráter e mulherengo aproveitador e no filme é um poeta e estudante revolucionário, jovem belo e honrado. Isso fere a essência da crítica que Victor Hugo deseja passar.

O final não tem nada haver com o original, mas o filme é excelente e destaque para as atuações ótimas, Salma Hayek estava impecável e em minha opinião foi seu melhor filme, está exuberante e sedutora, ela já o é, mas aqui está demais e também o ator Mandy Patinkin que interpretou o corcunda a sua atuação merecia ter ganhado o Oscar, além da maquiagem excelente. Já o roteiro não posso dizer o mesmo, embora ao desenrolar da trama vai ficando mais interessante. Nota 10.
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