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O Quinze

  • Foto do escritor: Fernando Carlos
    Fernando Carlos
  • 1 de mar. de 2019
  • 9 min de leitura

Rachel de Queiroz


Essa obra é fundamental na literatura brasileira, pois aborda, entre tantas coisas que ocorreram no ano de 1915, considerada a maior seca do sertão do Ceará de todos os tempos, a denúncia de problemas muito graves no Brasil dessa época, como a corrupção do governo, a opressão, a miséria, o desespero provocado pela fome, a proteção para uma minoria e o povo deixado de lado e tudo mostrado de uma forma realista, seguindo a linha de Machado de Assis, buscando a verossimilhança do que é de fato com o que está sendo descrito na obra, com uma linguagem simples, buscando colocar o modo de falar dos personagen, isto é, se é um senhor de engenho, a autora escreve como ele fala, se é um retirante dos mais miseráveis, a mesma coisa e a narração sem grande eloqüência.


Rachel tinha apenas 19 anos quando escreveu essa obra e surpreendeu a todos, por sua erudição e perfeição na escrita. Certamente sua educação foi primorosa e tem muito dela mesma na personagem central Conceição, que deve ter causado espanto a quem leu, pois ela era uma mulher avante de seu tempo, culta, letrada independente e que não almejava casamento, muito pelo contrário, ela queria permanecer solteira, sem necessidade de ter um home ao seu lado e nem de ter filhos. Trabalhava e se sustentava com seu próprio trabalho e ainda exercia um papel importante dentro da comunidade. Uma vida sem sentimentalismo, sem melodrama. Fora esse lado pessoal que a autora usou existe o conhecimento do fato relatado na obra e do seu conhecimento da seca, vivida e analisada na época em que aconteceu.


Na época, essa obra foi tão impactante entre os intelectuais, tão perfeita, em comparação com obras de autores novos dessa segunda fase do modernismo, como Jorge Amado e sua primeira obra “O Pais do Carnaval” quando ele tinha apenas 18 anos, embora é uma obra maravilhosa e está entre as mais importantes do autor, mas é um livro fraco e chei de defeitos de iniciante. Rachel de Queiroz tinha um ano a mais que Amado e escreveu uma obra perfeita, maravilhosa e sem nenhum erro o que levou muito críticos a duvidarem que foi ela mesma quem escreveu, que outra pessoa tenha escrito e colocado o nome dela para não se expor, mas ela afirmava que de fato tinha escrito e mesmo assim, por muito tempo, pairava a dúvida. Hoje já se sabe que não existe nenhuma possibilidade de que alguém tenha influenciado a autora nessa obra, pelo contrário, ela influenciou o grande Graciliano Ramos,

quando ele escreveu sua obra máxima “Vidas Secas” oito anos após a obra de Rachel, que tem a mesma temática do O Quinze, retirantes atravessando o sertão fugindo da seca, mas aqui situado em Pernambuco. Sabe-se que ambos os autores trocavam correspondência e um influenciava a obra do outro com sugestões, mas “O Quinze” o mérito é inteiramente de Rachel de Queiroz, inclusive ela ocupou a cadeira da academia de letras.


Não existe nenhuma intenção panfletária, como na obra de Graciliano Ramos engajado no partido comunista, que usa suas obras para levantar a bandeira da revolução. Rachel é bastante objetiva ao contar a história deixando que o leito tenha sua própria visão do problema, que tire suas próprias conclusões sem induzir uma mensagem ou sua crença.

A obra é dividida em dois planos, o individual e o coletivo. No plano individual temos dois contexto interligados, um é o núcleo familiar composto no centro das atenções a Conceição, que mora na capital do Ceará Fortaleza, mas está sempre visitando sua avó no sertão.


Essa personagem é uma mulher com idéias progressistas, rica em leituras, algumas até contestadas na época como livros comunistas, representando a mulher mais moderna, ela é professora e independente. Tem sua avó Dona Inácia, que mora na fazenda do sertão, já é o oposto, quer se manter na fazenda e desejaria ver sua filha conceição se casar e se possível com seu primo Vicente, um rico proprietário de gado, bastante influente na região e com uma visão voltada para a fazenda, buscando a todo custo mantê-la sempre em progresso.


Como são duas pessoas bem diferentes, embora um admire o outro, até existe um plano amoroso entre o casal, mas no decorrer da obra não se resolve. Então temos esses dois lados, um totalmente conservador, que trabalha e sabe conduzir uma fazenda com devoção e empenho, se sacrifica para manter e busca ampliar o que já é e outro plano que vislumbra a modernidade e não quer ficar estagnando nos confins de um sertão seco e árido sempre buscando se empenhar em mudar o seu entorno, inclusive ela dá assistência aos retirantes que lá chegam e aos campos de concentração que ficam esses retirantes, sempre vigiados pela polícia, para evitar conflitos e violência entre os que vivem lá.

No plano coletivo temos o drama da família do Chico Bento que está a serviço da mãe da Conceição Dona Inácia.


A obra tem como pano de fundo a grande seca ocorrida em 1915, como já falamos, foi a maior ocorrida no sertão do Ceará de todos os tempos levando a falta de águam para todos, inclusive aos animais que morriam sem ter o que beber. Essa família terá que fugir da seca e enfrentar todas as agruras de uma viagem sem destino certo e a pé. Essa família vai representar o coletivo de flagelados que tiveram que se retirar das terras que já não produziam nada. Uns para o Sudeste, outros buscavam o Amazonas e outros os Campos de concentração criados em torno de Fortaleza para que não invadissem a cidade-capital.


A história começa com a chegada da filha Conceição na fazenda da mãe Dona Inácia, devido iniciar as férias escolares. Dona Inácia é uma mulher com uma fé inabalável, devota de São José na fazenda de Logradouro, próximo a cidade de Quixadá. Enquanto a mãe faz preces para que chova, Conceição percebe já leu todos os livros da casa da fazenda e nos diálogos já mostra a diferença entre fé da mãe e a indiferença da filha. Sempre é cobrada pela mãe que ela está magra demais, que precisa engordar com leite bom e casar. Com 22 anos, não pensa em casar-se de forma alguma e chocava sua mãe com suas idéias socialistas consideradas absurdas.

Elas recebem a visita do primo Vicente, atrás de carrapaticida para seu gado, que com tantos carrapatos, está “em tempo de cair.”


Enquanto a avó vai buscar, começa a dialogar com Conceição insinuando se ele poderia levá-la para as festas da cidade e ela meio que desconversa. Segue o drama da família de Chico Benmto, que já estão de malas prontas, pois Dona Inácia já deu ordens que se não chovesse até o dia de São José, ele deveria abrir as porteiras e soltar todo o gado e ir embora da fazenda com 5 filhos e a esposa Cordulina, que tem a sua irmã, que é a Mocinha. Como a chuva não veio e nem virá tão cedo, ele sai com a família, mas antes procura o seu Vicente para tentar ganhar algum um dinheiro, vendendo o que lhe restava, um boi, uma vaca, um garrote e uma roupa de couro em troca de um burrico (babal) velho e 50 mil reis.


Aqui temos a visão do coletivo, pois as dificuldades que Chico enfreta é com a currupção política, somente quem tem posses consegue uma passagem de trem para Fortaleza, os que não tem teriam que esperar um mês para ver se sobrava alguma passagem. Existia a opção de viajar a pé para o Amazonas para trabalhar na fabricação de borracha das seringueiras ou ir para o Sudeste. Sem dinheiro, sem influencia e sem ter o que comer eles partem a pé a esmo, sem direção. Do outro lato temos a saída de Dona Inácia do logradouro para a casa de sua neta para Fortaleza, levada por Vicente.

O percurso da gigante família de Chico Bento é mostrado às dificuldades dos flagelados, com fome e sede, tenta comprar alguma coisa e somente consegue rapadura. Todas as crianças choram de fome e sede. Come carniça e entram em desespero. Arruma alguma água insalubre, mas é o que tem e deixam ao gosto de Deus; Do outro lado, temos a continuidade das vidas de Vicente, que tem um irmão que vai estudar faculdade fora e Vicente mantendo firme com sua fazenda e os afazeres de Conceição e fica uma alternância entre a desgraça da família flagelada, cada vez mais desesperada e Conceição, mostrando que ela é importante na capital com seus trabalhos humanitários e ainda sua profissão como professora.


No percurso da família de Chico Bento, sua cunhada Mocinha consegue arrumar emprego numa vila como ajudante de cozinha, mas só pensa em namorar e a patroa já está ficando aborrecida com essa atitude nada moral, até indecente e nesse momento, um dos filhos de Chico Bento, Josué fica doente porque comeu um pedaço de “manipeba”, uma mandioca muito venenosa, sua barriga inchou e seus lábios ficaram roxo. Chamam uma benzedeira, mas diz que não tem mais jeito. A criança morre.


Num dia de trabalho nos campos de concentração, Conceição encontra uma tal de Chiquinha Boa, que morava com o primo Vicente e conta que ele a filha do Zé Bernardo fica dando em cima do Vicente, um homem tão bom e trabalhador, embora ele sempre passa lá e cumprimenta a tal. Conceição pergunta se ele tem alguma coisa com ela e Chiquinha falar: “Se tiver, pior pra ela, pois moço branco na é pra bico de cabra que nem nós”. A conversa principiou a incomodar Conceição. Na cabeça dela, ele era louco por ela, mas depois de ouvir que ele dava em cima de cabocla, que se rebaixava, ela começou a ver que ele não merecia sua atenção como mulher, se existisse qualquer possibilidade dos primos ficarem enamorados, agora era definitivamente impossível para a Conceição, pois ele se rebaixara demais com esse gesto, na concepção dela.


Depois do enterro do filho Josias, uma cena extremamente comovente na obra, segue-se outra muito pior, de humilhação e desmoralização, quando Chico Bento avista uma cabra e mata para comer, pois toda sua família está literalmente morrendo de fome, mas o dono da cabra aparece, xinga: “Cachorro, ladrão, desgraçado, matou minha cabrinha. Ele implora um “taquinho” para um fazer um caldo para a mulher e mais os meninos e o dono lhe dá somente as tripas e fala que para um ladrão isso já é demais e nega dar água para lavar as tripas e para piorar a situação a mocinha é demitida por ficar dando bola para os clientes e mesmo assim não se emenda e fica dando em cima dos passageiros que chegam de trem. A família segue para outra cidade deixando a mocinha e no caminho ele sente falta do filho maior, o Pedro, mas acha que ele já está na cidade de Acarapé, fato que não é real e no desespero da mulher,


Chico vai ate a delegacia pedir ajuda e lá encontra um conhecido, o delegado Luiz Bezerra é compadre de Chico e promete dar pedir maior empenho na busca do filho, sem sucesso no final, mas o ajuda a consegue passagens de trem para o campo de concentração de Fortaleza e lá encontram com Conceição que fica muito feliz em poder ajudar a família do Chico, mas pede o seu afilhado para adotar. A Cordoalha fala para Bento que gostaria de dar o filho “Duquinha” a adoção, Bento não aceita de início, mas vendo o menino cada vez mais magrinho e doente, pensa que ficar com a madrinha é melhor que deixá-lo morrer para os urubus, se morrer com a madrinha, pelo menos ela pode lhe dar um enterro. A criança está realmente doente e é entregue para Conceição, que em 50 dias o recupera e a família parte para São Paulo com passagens conquistadas pela Conceição.


Conceição se desdobra para cuidar de Duquinha, desenvolvendo seu lado materno e segue com suas leituras sozinha lendo sobre assuntos de mulher, assunto feminista. Questionada pela avó sobre casamento, ela já está convicta que a melhor escolha foi ficar solteira e se empenha no seu trabalho voluntário e aqui a autora dá um tratamento mais detalhado da crueldade em que viviam os flagelados nesses campos de concentração e o sentido real de segregar esse povo da civilização urbana.


Do lado de Vicente, também é questionado porque ele não procura casar-se e se ele vai fazer o mesmo que fez com Conceição e ele se espanta com a pergunta: “Mas o que eu fiz? Eu a procurei na cidade fui buscar a mulher que achava ser uma coisa e a encontrei dura sem querer saber de ninguém... e ainda por cima fui eu?” Na verdade quando Vicente foi a Fortaleza comprar ração para o gado, foi realmente com o maior esforço visitar sua prima, mas como ela já tinha escutado que ele dava em cima de cabocla de cabelo pixaim e desdentada, se desiludiu e realmente o tratou com frieza e até o desdenhou e ele saiu pior que entrou. Ele foi questionado se não deveria ter largado a fazenda, mas ele continuava com a idéia de que aquele era o lugar que ele desejava viver e morrer e que daria de tudo para manter o que tinha, se chovesse e recuperasse tudo que perdeu, se daria bem se perdesse tudo mesmo, paciência, pois ele fez o que pode. Não tenho necessidade de casar-me. Mostra um homem de opinião, decisão e pregado a terra.


Em maio começaram as chuvas e Dona Inácia se anima em voltar para Logradouro. Pergunta o que deve falar para Vicente e ela responde com indiferença: “Nada, mande lembranças...”

Na estação aparece a Mocinha, toda esfarrapada, magra, chorando baixinho e toda suja, um fantasma vindo fugida da seca. Foi indagada pela madrinha se pretende voltar, ela nega, diz que passou seu corpo de mão em mão, que está arrependida e com muita vergonha, uma desgraça e ainda mais com um filho. “Aqui ainda vou vivendo pedindo esmola, um ou outro me dá.


Bom minha filha, se desejar ir comigo para Logradouro, tenho uma casa sobrando lá e esses 5 mil reais dá para pagar sua passagem.”

Passam 3 anos e temos uma conclusão da obra, existe uma festa na praça, a banda toca um dobrado e lá temos o Vicente, sua irmã Lurdinha acompanhada por seu marido Clovis e um novo dentista que chegou na cidade e eles falam que

Conceição mora com o casal Clovis e Lurdinha e ele questiona Conceição: “A senhora não tem felicidade igual porque não quer. Ela responde: Mas se eu não encontrei ninguém que valesse a pena.”

Fim do livro que foi publicado de 1930, drama de denuncia social.

O filme é bem fiel a obra, filmado em 2004, uma grande produção e direção de Jurandir de Oliveira.

 
 
 

1 Comment


fabiovianaradialista
Mar 03, 2019

Assisti hoje no youtube. Belíssimo filme, o elenco é muito bom, a fotografia é perfeita com as imagens reais do sertão nordestino e também em destaque a excelente direção do cineasta Jurandir Oliveira, a obra é baseada em "O Quinze", primeiro romance da escritora Rachel de Queiroz que conta uma história de resistência e coragem tratando de forma delicada essa questão da seca, uma triste realidade para o povo nordestino. A narrativa poética sem pressa e sem truques, não tem compromissos com as flores do estilo cinematográfico, mas se afirma junto a sensibilidade e a latente solidariedade do espectador para com os seus personagens. O filme conta a história de Chico Bento (Jurandir Oliveira), vaqueiro, servo da terra e de…

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