O Tempo e o Vento
- Fernando Carlos
- 5 de mar. de 2019
- 11 min de leitura

De Erico Veríssimo.
Falar dessa obra é necessário falar que Érico Veríssimio é um capítulo a parte, tanto que os críticos dividem em dois momentos ou duas fases, uma mais intimista e outra mais histórica e engajada. Ele pertence a segunda fase do movimento modernista e sua obra mais representativa é justamente “O Tempo e o Vento”, ublicada originalmente em 1949, uma obra tão vasta que também se divide em três momentos ou partes “O Continente”, “O Retrato” e “O Arquipélago.” Como falamos, é de cunho histórico e retrata um período de 200 anos da região de Porto Alegre como pano de fundo e a saga da família Terra-Cambará.

A riqueza dessa obra é impossível resumir, por perder todos os detalhes e a magia das relações humanas, mas estamos aqui para isso e busquei um site que faz um reesumo didático no eGuia Do estudante e o site Cola da Web. Toda síntese ou resumo seria uma ofensa, mas vamos tentar.
Livro 1: O Continente narra o nascimento do Estado do Rio Grande do Sul através das famílias Terra, Caré, Cambará e Amaral, retrata-se a conquista e a ocupação do território durante os séculos XVIII e XIX. A conquista se dá por meio de aventureiros sorocabanos e lagunenses que se dirigem ao oeste e ao sul da região em busca de planícies férteis para o pastoreio. Essa conquista também ocorre graças à imigração açoriana e ao estabelecimento de fortificações militares pelo Estado português.

O inicio vem com a temática da destruição das missões jesuíticas. O autor coloca um índio educado numa dessas missões para representar o aculturamento trazido pelos jusuitas e posteriormente a destruição das missões devido a chegada do iluminista Marques de Pombal, o novo governador geral do Brasil. Ele, ferido vai buscar ajuda na região Sorocaba numa casa de camponeses e é encontrado quase morto por Ana Terra, órfã de mãe e que mora com seu irmão e pai. Nesse capítulo temos a confrontação das culturas, eles são todos analfabetos e incultos, só sabem trabalhar na terra para buscar seu sustento, não tem a quem recorrer em relação a segurança, ganham seu próprio sustento com o trabalho na terra e vivem acuado entre as guerras regionais de castelhanos e portugueses, embora são portugueses, seus próprios compatriotas são inimigos.

Com o protesto da família, Ana Terra leva e trata o índio para casa, contanto que depois de recuperado ele busque sua vida fora e longe Dalí, mas acontece o previsível, ambos se apaixonam e ela engravida dele e é morto a tiro. Ele deixa como legado parte da cultura que adquiriu na missão e um filho.
Chegam castelhano querendo ouro e num tiroteio entre os homens da casa contra os bandoleiros, ambos são mortos, deixando Ana e seu rebento a deriva na casa. Finalmente aparece, portugueses e a oportunidade da criação de uma colonização na região chamada Santa Fé ela é chamada a acompanhar o grupo para morar junto com seus pares sob proteção de Coronel Ricardo Amaral.

“Pois Ana estava agora decidida a contrariar o destino. Ficara louca de pesar no dia em que deixara Sorocaba para vir morar no Continente. Vezes sem conta tinha chorado de tristeza e de saudade naqueles cafundós. Vivia com medo no coração, sem nenhuma esperança de dias melhores, sem a menor alegria, trabalhando como uma negra, e passando frio e desconforto… Tudo isso por quê? Porque era a sua sina. Mas uma pessoa pode lutar contra a sorte que tem. Pode e deve. E agora ela tinha enterrado o pai e o irmão e ali estava, sem casa, sem amigos, sem ilusões, sem nada, mas teimando em viver. Sim, era pura teimosia. Chamava-se Ana Terra. Tinha herdado do pai o gênio de mula”.

Capítulo “Um certo Capitão Rodrigo” Aqui já temos Santa fé como uma cidade próspera. Ana Terra já havia falecido e seus descendentes era uma família respeitada e sua neta Bibiana, sensível, educada e extremamente linda, crianda com todos a atenção e moral vigente, tímida e recatada é a prometida para casar-se com o filho do Coronel Amaral até que chega ao povoado um forasteiro se dizendo capitão Rodrigo. O capítulo tem o mérito de retratar, ou recriar, a imagem do homem gaúcho forte, bravo, destemido, na figura do personagem principal do capitão Rodrigo Cambará. A cena da chegada do capitão Rodrigo à cidade de Santa Fé já é suficiente para passar essa ideia do homem gaúcho, tanto pelas vestimentas como pela personalidade:

“Toda a gente tinha achado estranha a maneira como o capitão Rodrigo Cambará entrara na vida de Santa Fé. Um dia chegou a cavalo, vindo ninguém sabia de onde, com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a bela cabeça de macho altivamente erguida, e aquele seu olhar de gavião que irritava e ao mesmo tempo fascinava as pessoas. Devia andar lá pelo meio da casa dos trinta, montava um alazão, trazia bombachas claras, botas com chilenas de prata e o busto musculoso apertado num dólmã militar azul, com gola vermelha e botões de metal.
Tinha um violão a tiracolo; sua espada, apresilhada aos arreios, rebrilhava ao sol daquela tarde de outubro de 1828 e o lenço encarnado que trazia ao pescoço esvoaçava no ar como uma bandeira. Apeou na frente da venda do Nicolau, amarrou o alazão no tronco dum cinamomo, entrou arrastando as esporas, batendo na coxa direita com o rebenque, e foi logo gritando, assim com ar de velho conhecido:
– Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho! – Pois dê”

A descrição do valente e imponente capitão entrando no pacato vilarejo, seguida do desaforado cumprimento da chegada, antecipa o incômodo que essa figura produzirá em tal espaço. O dono da resposta curta e grossa que aceita o confronto, porém, não se tornará seu antagonista na história. Será seu futuro cunhado, Juvenal Terra.
A importância desse capítulo está no fato de que mostra a união dos dois grandes sobrenomes que marcarão, na obra, a formação do estado do Rio Grande do Sul: os Terras e os Cambarás.

Apaixonando-se perdidamente por Bibiana Terra, o capitão a conquista após minar sua resistência e a de sua família, além de ter vencido em um duelo o pretendente rico de Bibiana: Bento Amaral, filho do coronel Ricardo Amaral. Essa união representa, estruturalmente, o eixo das duas famílias que irão protagonizar toda a trilogia.
O carisma de Rodrigo Cambará acaba por conquistar, de fato, não apenas Bibiana Terra, mas vários moradores de Santa Fé, como o padre Lara e Juvenal Terra, com quem monta um negócio. O antagonista de Rodrigo Cambará é Bento Amaral, com o qual trava uma luta atrás do muro do cemitério, após um desentendimento em uma festa de casamento.
O Capitão Rodrigo o chama para um duelo e pergunta que armas vão usar e o Bento Amaram escolhe faca e o capitão dá um sorriso irônico e fala que gostou, porque com faca se mata bem devagar e o duelo é marcado para a madrugada, ambos saem de frente da igreja a cavalo para atrás do muro do cemitério, quem votar é quem ganhou o duelo.

Nesse confronto, o filho do coronel, desonrando a batalha, utiliza uma arma de fogo contra o capitão dando um tipo no peito dele por traição ao que foi acordado, mas antes de dar o tiro à traição, o Capitão Rodrigo já tinha desarmado Bento com a faca e prometeu deixar sua marca escrevendo um “R” no seu rosto e é ai que Bento Amaral quase recebe a marca do capitão Rodrigo: um “R” na testa, mas saca seu revolver e dispara, no entanto, o capitão só tem a possibilidade de talhar um “P”. Falta-lhe tempo para completar a letra “R”.
Ele volta como vencedor, mas o Capitão Rodrigo não morre e é socorrido pela po´pulação e fica aos cuidados do Padre e Biniana, a quem a chama de minha prenda. Depois de meses eles se casam e engravida e no início temo um casal feliz, enamorado e se portam como um conta de fadas

A figura do capitão, no entanto, distancia-se com o passar do tempo do perfil do bom moço. Ele é um homem de ação, de luta e fica entediado na venda. Não é um homem de família, diga-se de passagem. Mesmo depois de casado com Bibiana, Rodrigo Cambará mantém o gosto pelo carteado, pela bebida e, principalmente, por outras mulheres, inclusive ele sai em viagens deixando Biniana totalmente solitária e chorando. Ela fala que sua avó Ana Terra disse que o destino das mulheres dessa família é ter fé e sempre chorar pelo amado marido na solidão, sempre esperando que ele volte vivo. Capitão Rodrigo se mostra uma pessoa egoísta, fria e distante da família, já que ela está grávida e ele nem liga.

Quando ela vai dar a luz ele está jogando carteado e bêbado, até que alguém fala que sua esposa está dando a luz. Ele vai até lá, segura o filho e bescolhe o nome de Bolivar, em homenagem a Simon Bolivar, o libertador da América espanhola. Mas isso dura pouco, pois ele sai para outras pelejas (lutas, guerras locais) e Bibiana novamente fica só, sofrendo e sem ajuda de ninguém, mas não desesperada, cuida com primor de seu rebendo, cuida da venda e se mantém fiel ao seu amado Capitão Rodrigo.
Temos a revolução Farroupilha e a família Amaral recruta todos em favor do Governo.

O pai de Bibiana discorda é é preso. A revolta toma conta desse final do capítulo na qual quem volta é o Capitão Rodrigo juntamente com os farrapos e invade a cidade e principalmente o casarão dos Amaral. Ele entra com cavalo e tudo no sobrado e enfrenta o Coronel para um duelo justo, que aceira prontamente como dois militares honrados, mas escondido no armário da sala está seu arqui-rival Bento Amaral que novamente dá um tiro certeiro no Capitão Rodrigo. Nesse episódio, morre o capitão Rodrigo Cambará, deixando órfão o filho Bolívar:
“O tiroteio começou. A princípio ralo, depois mais cerrado. O padre olhava para seu velho relógio: uma da madrugada. Apagou a vela e ficou escutando. Havia momentos de trégua, depois de novo recomeçavam os tiros.

E assim o combate continuou madrugada adentro. Finalmente se fez um longo silêncio. As pálpebras do padre caíram e ele ficou num estado de madorna, que foi mais uma escura agonia do que repouso e esquecimento. O dia raiava quando lhe vieram bater à porta. Foi abrir. Era um oficial dos farrapos cuja barba negra contrastava com a palidez esverdinhada do rosto. Tinha os olhos no fundo e foi com a voz cansada que ele disse:
– Padre, tomamos o casarão. Mas mataram o capitão Rodrigo – acrescentou, chorando como uma criança. – Mataram?
O vigário sentiu como que um soco em pleno peito e uma súbita vertigem. Ficou olhando para aquele homem que nunca vira e que agora ali estava, à luz da madrugada, a fitá-lo como se esperasse dele, sacerdote, um milagre que fizesse ressuscitar Rodrigo.
– Tomamos o casarão de assalto. O capitão foi dos primeiros a pular a janela. – Calou-se, como se lhe faltasse fôlego. – Uma bala no peito…”

Livro 2: O Retrato A segunda parte da obra é ambientada no período compreendido entre as duas primeiras décadas do século XX, em Santa Fé, que aos poucos foi deixando para trás as marcas rurais para assumir sua urbanização.
O título “O Retrato” faz referência ao personagem Rodrigo Terra Cambará

(homônimo e bisneto do capitão Rodrigo), decide voltar a sua terra-natal, Santa Fé, após ter ido estudar medicina em Porto Alegre, cuja transformação é vertiginosa: de homem culto, médico formado e de requintados costumes, surge o gaúcho machão, com acessos de violência e de um incontido desejo sexual. Testemunha do que ele foi, até chegar a Santa Fé, só mesmo o retrato pendurado em uma das paredes do Sobrado, feito logo que ela chega à cidade.
“Rodrigo aproximou-se da janela e por alguns instantes ficou a olhar a praça, através dos vidros meio embaciados. O desaparecimento do Senador dava-lhe uma estranha sensação de orfandade que ele não procurava explicar nem combater. (…) E naquela mesma noite, ao entrar no Comercial, onde esperava colher assinaturas para o telegrama, ouviu um forasteiro comentar em altos brados: “Bem-feito! foi uma limpeza! Era um caudilho, um déspota, a asa negra do Brasil!” Precipitou-se sobre ele, segurou-o pela gola do casaco, deitou-o sobre um dos bilhares e esbofeteou-lhe repetidamente a cara, vociferando: – É para aprenderes a respeitar os homens, canalha!”
Nesse segundo romance da trilogia acompanha-se a decadência social de Santa Fé na passagem para o século 20 causada por interesses e jogos políticos. Com a derrota da revolução farroupilha teremos os movimentos abolicionistas, mas aqui é abordado os movimentos republicanos. Novamente a família Amaral ficará do lado dos monarquistas e vão cercar o sobrado que antes eram deles e agora pertence a família Terra Cambará, que vai se manter favorável a república.

Livro 3: O Arquipélago
A terceira e última parte da obra, O arquipélago, simboliza a desintegração dos clãs e das pessoas. A decadência dos estancieiros cede lugar aos imigrantes. Diferentemente da segunda parte da trilogia, aqui os personagens atuam ativamente na vida pública e política do Rio de Janeiro e narra a volta de Rodrigo Cambará à Santa Fé depois de passar muitos anos no Rio de Janeiro ao lado do então presidente Getúlio Vargas, seu amigo e aliado. Assim, o poder da família Terra Cambará, que era somente local, adquire em “O Arquipélago” um âmbito nacional. Após o fim do Estado Novo, Rodrigo está derrotado politicamente e doente. Rodrigo se vê na luta de não morrer na cama, uma vez que “Cambará macho não morre na cama”..

– Fosse qual fosse a cor do lenço, éramos todos democratas! E nessa confortadora certeza viveram os homens da minha geração que se haviam alimentado no leite generoso das ideias de Igualdade, Liberdade e Humanidade! Em nome desses ideais maravilhosos, milhares de gaúchos valorosos, através dos tempos, sacrificaram seu bem-estar e o de suas famílias, perderam seus bens e até suas vidas, lutando, matando e morrendo em guerras muitas vezes fratricidas! (…) – Mas qual foi – continuou Rodrigo – o resultado de tantos sacrifícios e renúncias, de tanto sangue generoso derramado, de tantas belas promessas e palavras? (…) – O resultado, senhores, foi esse espetáculo degradante que estamos hoje presenciando de um homem que se apega ao poder e quer fazer-se reeleger, custe o que custar, doa a quem doer! (…) – É por tudo isso, senhor presidente e meus colegas, que venho hoje aqui renunciar publicamente ao meu mandato de deputado pelo Partido Republicano Rio-Grandense e dizer, alto e bom som, que vou sair por aquela porta, de viseira erguida, exonerado de qualquer compromisso para com essa agremiação política, sair como um homem livre, senhor de seu corpo e de seu destino. E quero também declarar perante a opinião pública de meu estado que vou colocar-me por inteiro, inteligência, fortuna, experiência, entusiasmo, a serviço da causa democrática, neste momento tão gloriosamente encarnada na figura egrégia desse republicano histórico que é o doutor Joaquim Francisco de Assis Brasil! Tenho dito.
Em O arquipélago; assim como nas outras partes da saga, mesclam-se personagens históricos, como Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha e Luís Carlos Prestes, com personagens fictícios do romance. A trilogia é finalizada de maneira metalinguística. Valendo-se do personagem Floríano, Erico Veríssimo tem em mãos a narrativa da formação da história das famílias rio-grandenses, com suas lutas e suas conquistas.
Sentou-se à máquina, ficou por alguns segundos a olhar para o papel, como que hipnotizado, e depois escreveu dum jato: Era uma noite fria de lua cheia. As estrelas cintilavam sobre a cidade de Santa Fé, que de tão quieta e deserta parecia um cemitério abandonado.
E é exatamente com essas mesmas frases que o romance O tempo e o vento se inicia, fechando o ciclo desta importante obra regionalista da literatura brasileira.

Filme
O filme dirigido por Jayme Monjardim de 2013 “O Tempo e o Vento” é baseado na maior obra do escritor Erico Verissimo. O filme conta a história da família Terra Cambará e de sua principal opositora, a família Amaral, durante 150 anos, começando nas Missões até o final do século XIX. Sob o ponto de vista da luta entre essas duas famílias, são retratadas a formação do Rio Grande do Sul, a povoação do território brasileiro e a demarcação de suas fronteiras, forjada a ferro e espada pelas lutas entre as coroas portuguesa e espanhola. Rio Grande do Sul, final do século XIX. As família Amaral e Terra-Cambará são inimigas históricas na cidade de Santa Fé. Quando o sobrado dos Terra-Cambará é cercado pelos Amaral, todos os integrantes da família são obrigados a defender o local com as armas que têm à disposição. Esta vigília dura vários dias, o que faz com que logo a comida escasseie.

Entre eles está Bibiana (Fernanda Montenegro), matriarca da família que recebe a visita de seu falecido esposo, o capitão Rodrigo (Thiago Lacerda). Juntos eles relembram a história não apenas de seu amor, mas de como nasceu a própria família Terra-Cambará. O diretor Jayme Monjardim busca unificar todas estas histórias é através do amor entre Bibiana já idosa e o capitão Rodrigo, que a visita em meio à batalha final dos Terra-Cambará contra os Amaral. Fernanda Montenegro e Thiago Lacerda são o elo central do filme, responsáveis por um imenso flashback que inclui as histórias de Ana Terra (Cléo Pires), Pedro Terra (Rafael Tombini), coronel Ricardo Amaral (José de Abreu) e tantos outros personagens. Cada uma destas subtramas têm aspectos interessantes e boas atuações, mas acabam prejudicadas justamente pelo pouco tempo em cena.
Elenco: Thiago Lacerda, Marjorie Estiano, Fernanda Montenegro, Cleo Pires e José de Abreu.

O Tempo e o Vento conta com uma fotografia belíssima que ressalta as paisagens e a luminosidade do sul do país, dando ao filme um visual impressionante. A trilha sonora amplia o ar épico ao apostar em músicas instrumentais. Música composta por Alexandre Guerra.
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