Olhai os Lírios do Campo
- Fernando Carlos
- 6 de mar. de 2019
- 9 min de leitura

De Erico Veríssimo
O conjunto de obras de Érico Veríssimo é tão vasta e diversificada que a crítica especializada divide em dois grandes grupos, embora ele esteja autor representante da segunda fase do modernista, mais especificamente como referência de obras ligadas aos costumes e problemática da região Sul, no caso Rio Grande do Sul, falando sobre o gauche, a revolução farroupilha, os costumes e problemáticas políticas, meso assim, devido sua temática ser bastante distinta entre suas primeiras obras e as últimas, separa-se didaticamente entre obras intimistas e urbanas com obras históricas e regionais. Dentre essa segunda leva é sem dúvida alguma a obra “O Tempo e o Vento” seu maior sucesso e de longe sua melhor obra dentro todas, mas da primeira leva, não há divergência que “Olhai os Lírios do Campo” é seu grande representante, inclusive depois de sua publicação em 1938 foi que o autor passou a ser reconhecido nacional e internacionalmente, pela riqueza da dramaticidade, perfeição na escrita, complexidade psicológica de cada personagem e um debate político, filosófico e existencial faz dela uma obra prima.

Olhai os Lírios do Campo é dividida em 2 partes. A primeira parte se inicia com um telefonema para o Dr. Eugênio, médico renomado dizendo que Olívia está morrendo num hospital de Porto Alegre e quer vê-lo antes de morrer. Ele imediatamente pega o carro com seu chofer e vai até lá. Nesse percursos de 3 horas ele vai lembrando toda sua vida e é assim que Veríssimo vai contando a história do personagem central, por flash back. Na segunda parte a história se passa no momento atual, ele no Hospital visitando a tal Olivia e daí em diante a conclusão do livro.
A história é impactante, pois temos uma tragédia anunciada nas primeiras linhas. A carga dramática é máxima, pois envolve basicamente três personagens centrais, o Dr. Eugênio, a Dra. Olivia e outra mulher que vai aparecer no decorrer da primeira parte que é a Eunice, uma “socialite” e obviamente vamos ter um triângulo amoroso, mas os personagens paralelos terá tanta importância como esse núcleo triangular como o Dr. Cintra, o médico que inspira Eugênio na medicina. Note que os nomes Eugênio e Eunice começam com “Eu” no sentido de ego e no decorrer da obra o psicanalista e médico Freud será citado dando a entender que o autor escolheu propositalmente esses nomes pelo egocentrismo dos personagens. Alé, disso, o nome remete a eugenia, que também será abordado no enredo quando se fala do Nazismo.
Embora o livro foi aclamado pro unanimidade pela crítica e pelo público, quem faz uma crítica negativa é o próprio autor, dizendo que não é sua obra preferida, que o personagem principal Eugênio é muito linear e pouco ativo, que a Olívia é tão perfeita que não poderia ser uma pessoa real e por ai vai, mas ele escreveu isso em 1966 numa revisão de linguagem para uma re-edição e claro, que a época era outra e ele pode ver com mais criticidade o que havia escrito há 28 anos atrás.

A obra é monumental e vamos falar somente do núcleo central da história e portanto é fundamental que abordemos os pontos mais importantes que são os pensamentos internos de Eugênio e os diálogos paralelos nas reuniões dos intelectuais e como pano de fundo a política interna e extyernma do Brasil, sem falar dos problemas existenciais e fé e crença em Deus, que por sinal, “olhai os Lírios do Campo” é uma citação bíblica em Mateus, no sermão da montanha de Jesus cristo aos seus seguidores.

Dentro os assuntos mais importantes está o complexo de inferioridade que permeou a vida toda de Eugênio. Nascido numa família pobre, sua mãe lavadeira e seu pai alfaiate, por ela trabalhar numa escola de família abastada e da elite, conseguiu que seu filho pudesse estudar lá como bolsista, se é que existia esse termo. O fato é que ele ia com a mesma roupa e porventura tinha furos e os amigos tiravam o sarro dele, o que o deixava extremamente envergonhado e ridicularizado.l ele também negava sua família perante os amigos. Tem uma cena em que ele está descendo a rua com os coleguinhas e seu pai está subindo na mesma direção e ele tenta se esconder para que os amigos não saibam que aquele velho pobre é seu pai. Ao se encontrarem o pai o cumprimenta, mas ele não responde e os amiguinhos nem estão ai para isso, quer dizer, uma vergonha desnecessária. Sendo o filho mais velho, a família se empenhou em dar o melhor para ele, que tinha um irmão, mas esse ficou a deriva e começou a beber e se perdeu. Ele sempre buscou superar esse vexame de ser pobre e humilhado, mas seu complexo de inferioridade não o largou jamais. Outro assunto relevante é o momento em que se passava a história, justamente na revolução de 1930 e o início da Era Vargas e dessa forma a industrialização e construção de grandes edifícios para edificar a capital eram assuntos presentes nas rodas dos intelectuais, assim como os dois tipos de governo que a Europa estavam experimentando, fascismo e Nazismo, esse por sinal, teve relevância nios debates em relação ao anti-semitismo.

Outro assunto polêmico é o aborto, já que o médico Dr Eugênio é procurado por uma família abastada para fazer o abordo na sua filha que teve relações com um homem pobre e precisavam e livrar da gravidez, enfim, temas como divórcio, emancipação da mulher, voto feminino são temas que volta e meia entrma na trama, numa época de ditadura Vargas e repressão política perto da segunda guerra mundial.
A personagem central Olívia representa a mulher liberal, independente, inteligente e dona do seu destino. Na história ela é médica que gosta de tratar os mais necessitados. Desde o segundo ano de medicina ela tem um amor platônico pelo Eugênio. Ambos vieram de família pobre e tiveram muito trabalho para se adaptar na faculdade e superar suas desigualdades sociais do resto da turma. Ele sempre ambicioso, nunca olhou para Olivia, somente no dia de formatura ela o abordou e ambos começaram a se identificar.

Fizeram planos para o futuro, embora ele não compartilhava do apego de Olivia a trabalhar num hospital público. Como ela se mantém bem superior a ele na obra, dá atenção carinho e sexo, já que ela se mostra uma mulher avante de seu tempo, mais madura e totalmente superada das agruras que passou para se formar. Ele se mantém medroso, fraco e com esse complexo de inferioridade desejando sempre mais, riqueza e afirma com todas as letras que não tem vocação para a medicina. Um de seus professores e médico famoso, tentou levar Eugênio para o lado humanitário da medicina, mas ele inseguro e com ambição maior que o mundo não aceitava e até reclamava de colocá-lo em situação incômoda. Por pior que pareça, ele sempre foi medroso, não podia ver sangue e muito menos feridos, tinha asco e seguiu a carreira de cirurgião, indo contra tudo que ele abominava, porque isso dava prestígio.

Na primeira cirurgia deram para ele um marimbondo resgatado na revolução de 30 e ele se irritou: “Como dão para eu operar alguém que está a beira da morte? Isso vai acabar com meu nome.” Realmente ele morre, mas sua carerreira prospera mesmo assim e surge a grande chance que ele esperava, conhece uma das moças mais ricas da região, a Eunice. No primeiro contato ela o provoca na tentativa de intimidá-lo e humilhá-lo perguntando se ele conhecia Freud. Claro que ele não sabia quem era e se irritou, fugiu da conversa e seu complexo estava La fervendo, mas no decorrer da trama é ela quem o procura e ele vê a oportunidade de ascender na vida e largar a medicina trabalhando na industria do futuro sogro.

Quando ele conta para Olivia seu plano, ela o despreza. Eles tinham um caso amoroso, mas nem era uma coisa nem outra, e ela decide mudar dali e fazer medicina voluntária no que se chamava Colônia Italiana e deixa seu amado livre para se casar com Eunice.
O problema é que o casamento, embora Eugênio conquista tudo que ele sonhou, uma bela e inteligente mulher, largar a medicina e ocupar um cargo numa grande industria, participar das mais altas rodas da sociedade, ele se sentia deslocado e humilhado diante de tanta gente culta e abastada com uma formação de berço que ele não tinha. Também em juiota ocasiões sua mulher o humilhava. Ela dizia que não queria ter filhos porque iria deformar seu corpo e teria mais um ser chorando. Não havia mais o que Eugênio pudesse fazer, ele perdeu a chance de ser feliz com alguém que o amava de fato e que era da mesma classe social e profissão por um sonho que o levou a outra grande frustração, mas não mudava de atitude, sendo que seu maldito complexo de inferioridade ainda o assombrava, nesse mundo, mais ainda.

Antes de terminar a primeira parte temos uma revelação que vai abalar Eugênio, numa visita que Olivia faz a cidade dele. Eles tiveram uma filha e ela guardou em segredo todos esses 6 anos. Ele fica louco e mesmo assim não assume esse filho, prefere mentir para a esposa dando uma desculpa e visitando Olivia e sua filha. Realmente ele é um fraco, bem diferente dos personagens da sua outra obra “O tempo e o Vento” que são gaúchos machos e decididos, fortes e com bravura nas veias.
Nesse momento da história, que ela volta para o acampamento em que trabalha definitivamente, é que ele recebe a ligação de que Olivia está morrendo num hospital de Porto Alegre, quer dizer, tudo que relatei são lembranças que o personagem resgatou durante o percurso até o Hospital. Na sequência temos a segunda parte do livro.

Na segunda parte já temos a chegada de Eugênio no hospital, que encontra Olivia no leito a beira da morte e tem um pedido a fazer como última vontade da vida. Ela deseja que Eugênio assuma a filha que deu o nome de Ana Maria, mais uma referência do nome, pois na Bíblia Ana é Sant`Ana, mãe de Maria, que é a mãe de Jesus Cristo. Uma menina vivaz e que vai ficar órfã. Ela faz uma série de conselhos, que ele mude de vida, que veja o mundo com outros olhos, que ele progrida e cita a passagem do sermão da montanha, Mateus capitulo 6: “Por isso, vos digo: não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo, mais do que a vestimenta? 26 Olhai para as aves do céu, que não semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas? 27 E qual de vós poderá, com todos os seus cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura? 28 E, quanto ao vestuário, porque andais solícitos? Olhai para os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham, nem fiam. 29 E eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. 30 Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pequena fé? 31 Não andeis, pois,

inquietos, dizendo: Que comeremos ou que beberemos ou com que nos vestiremos? 32 (Porque todas essas coisas os gentios procuram.) Decerto, vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas essas coisas; 33 Mas buscai primeiro o Reino de Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas. 34 Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal”. E morre.
Além desses conselhos ele encontra na gaveta várias cartas endereçadas a ele e uma bem longa que fala do amor que sentia por Eugênio e que nunca teve coragem de falar e enviar tais cartas.
A conclusão da obra é meio que obvia, ele pede o desquite, a contra-gosto da esposa, mas ele se matem firme e fala que agora, somente agora, ele tem uma razão para viver, criar sua filha e voltar para a medicina.
Filme.

Olhai os Lírios do Campo. Além de uma novela de 19de Geraldo Vietre baseado nesse livro, com Claudio Marzo, Jardel filho e Nivea Maria temos um curta metragem de 2005 com o mesmo nome, mas que foca somente o triângulo amoroso.
No papel de Eugênio temos Felipe Kannemberg, Olivia é Larissa Maciel e Eunice é Mariana Vellinho. Direção de Cristiano Trein com roteiro livre adaptado de Nelson Nadotii

Eugênio Fontes é um estudante de medicina que sonha em ter ascensão social. Ele teve uma infância pobre e cresceu com um complexo de inferioridade, o que o atrapalha em todas as áreas de sua vida, inclusive no amor. O que ele mais quer na vida é ter sua segurança econômica. Quando ele entra na faculdade de medica, logo conhece Olívia Miranda e os dois se apaixonam. Contudo, ele acaba conhecendo Eunice uma jovem rica e bonita filha do industrial Cintra. Devido a situação financeira e os contatos de Eunice, Eugênio acaba se entregando a moça e casa-se com ela. Ao lado dela, ele conhece um bom emprego e faz amizades influentes, mas o tempo passa e ele começa a questionar seu casamento. Trilha sonora de Geraldo Flach
Música de Celso dos Santos jr, Jean Presser e Frederick Chopin.
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