Vidas Secas
- Fernando Carlos
- 2 de mar. de 2019
- 8 min de leitura
Graciliano Ramos

Essa é a obra mais importante de toda a geração de 30, considerado um dos maiores escritores do Brasil, comparável a Machados de Assis. Seu livro Vidas Secas é revolucionário em vários aspectos, introduzindo três capítulos independentes do enredo e uma mistura entre narrador e personagem, chamado de linguagem indireta. Em alguns momentos não sabemos se é o narrador em terceira pessoa ou o personagem que ele está narrando.

Para o título “Vidas secas” tem várias interpretações. Inicialmente é o modo seco de escrever, mas objetivo seguindo as premissas de Machado de Assis, buscando a verossimilhança. “Vidas Secas” também quer falar das vidas dos personagens, que é seca, istp é, cheio de sonhos, delírios e desejos, mas sem perspectiva de conseguir chegar a seus propósito, aleas até os propósitos não ficam claros, por isso vidas secas.
Essa é a quarta obra do autor, a mais significativa e a maior representante dessa fase, como já falamos. Denúncia e crítica social neo-realista. Na época havia o acirramento e o dualismos econômico: Capitalismo X Socialismo. Na obra de Graciliano Ramos tem fortes ingluencias do socialismo. Na sua carreira política defendeu a esquerda, tanto bna obra, como prefeito e cargos do Governo de Alagoas e portanto foi preso em 1937 pelo governo de Vargas, pois houve uma caça aos comunistas e ficou mais de um ano preso político. Após sair da prisão, escreveu Vidas Secas, sem emprego, sem dinheiro, pagando pensão e comida, sem amigos e foi influenciado diretamente pela escritora Rachel de Queiroz.

Publicado em 1938. Ele já era conhecido e com muito sucesso, com publicação de Caetés, Angustia e São Bernardo, esse descaradamente com temática socialista. A obra surgiu quando ele trabalhava num jornal e, portanto ele fez contos que fizeram muito sucesso. O autor resolveu criar uma obra com esses contos e passou a escrever de acordo com a lógica do primeiro conto, que é a história da cachorrinha baleia, que estava doente e te vê que ser sacrificada pelo seu dono. Daí ele fez outros contos ligados a essa ceba bastante trágica e muito emotiva. Esse tipo de romance se denominou romance desmontável. Temos 13 capítulos e cada capítulo tem um episódio completo. Se lermos da primeira e última história, tem uma lógica linear, mas se ler um capítulo único, também teremos a compreensão como um conto de Machado de Assis. Uma reforma e inovações técnicas que revolucionou o modernismo da segunda fase.

Um romance de tensão social em que os conflitos com o meio prevalece na narrativa, ao estilo no naturalismo. Os personagens são heróis problemáticos, a família de Fabiano está em permanente conflito com o meio social e o meio ambiente. Somos levados a refletir o drama humano, pois o autor coloca ao mesmo tempo o narrador mostra o que se passa na cabeça dos personagens. Externamente eles são secos, tanto que os filhos de Fabiano não têm nomes, é o menino mais velho e o menino mais novo. O romance é cíclico, pois o livro começa com Fabiano como retirante, saindo da seca nordestina e termina da mesma forma, para demonstrar que não existe perspectiva para nenhum dos personagens da história. Eles vão para o Sul, sem objetivo ou lugar de chegada se preocupando apenas em sobreviver. No final termina com outra família da mesma forma, com a esperança de encontrar uma região que possui água, da mesma forma. Esse drama de miséria, de injustiça, de carência e diferença social submetidos as conjecturas da seca foi vivido pelos antepassados de Fabiano e será vivido pelos seus descendentes, portanto a visão cíclica.

Outra característica que já falamos, é a técnica indireta de escrever. Como assim? Normalmente o narrador na terceira pessoa nos conta uma história e ele é onisciente e onipresente, quer dizer que ele sabe o que é, o que veio antes e o que virá e controla a história, tem o poder de descrever o que os personagens não sabe e não ouvira. Pois bem, no caso dessa obra o narrador entra na mente do personagens e nos revela o que ele está pensando, sentido e querendo, mas em muitos momentos na fala do personagem não distinguimos se é o narrador falando ou o personagem. Isso não acontecia em outras obras e outros estilos lingüísticos.

O narrador em terceira pessoa apenas nos conta o enredo e jamais interfere na fala do personagem, quando é o personagem falando, a linguagem dele é própria do personagem em si, o modo de falar, as gírias e expressões idiomáticas. Aqui não, o narrador se confunde com o personagem. Como cada capítulo prioriza um personagem, tipo um capitulo vai falar de Fabiano, outro da Baleia, outro do menino mais velho e assim por diante, a coisa fica mais complexa quanto ao narrador muda o foco narrativo, ele vai ter uma onisciência multi-seletiva, pois a essência narrativa vai mudar de acordo com o capítulo e o personagem central do capítulo e chamamos de essência narrativa, por exemplo, no capítulo da cachorra Baleia a visão de mundo se dá em relação da visão da cachorrinha.

Ela sonha em morrer num lugar com muitos preás. Dependendo do episódio o autor-narrador vai selecionar em cada capítulo um personagem diferente e narrar sob o ponto de vista dessa personagem dando impressão de narrativa em primeira pessoa.
Na linguagem dessa obra tivemos o casamento perfeito entre tema e estilo, como temática a seca, não só de água, mas seca humana, carência, a própria seca.

A linguagem também é seca, enxuta, reduzida apenas no essencial, buscando a forma mais precisa e mais objetiva possível, casando-se com a temática, não existem floreios e sentimentalismo em nenhum momento, exceto no capítulo da morta da cadela Baleia. A linguaje é seca e objetiva, no entanto preserva uma certa dose de poesia, uso de expressões regionalista, descrição breve e precisa do interior do nordeste dando um tom poético a obra, mesmo sendo tão seco, tem sua beleza poética ai,.
Determinadas falas tem lirismo e poesia, a linguagem de Graciliano Ramos é uma das grandes virtudes do autor, ele se destaca justamente pelo seu estilo e nessa obra atingiu o grau máximo de perfeição.

Os personagens são animalizadas e humanização dos animais, principalmente do personagem da Baleia. Logo no começa, quando estão numa fuga e retirada, famintos, devoraram um papagaio, pois não tinha mais nada para comer, sua cachorrinha Baleia consegue caçar um preá (tipo de rato) e ela trás para a família, embora ela também está vários dias sem comer, mas mesmo assim, ele dá para a família, mata o animal, sente o gosto de sangue e mesmo assim, coloca esse alimento ao bem estar da família no lugar dela comer o preá, não existe instinto ali, mas humanidade. A esposa de Fabiano, se chama Sinhá e ao beijar o focinho da cadelinha em agradecimento vê que tem sangue no focinho e ela lambe o sangue que está no focinho da cadela, mostrando a animalidade, a miséria, as condições precárias que essa família vive, como animais. As crianças brincam no chão, no chiqueiro e dormem da forma como estão, dormem no chão, abraçados com a cachorra, não existe outra saída.

Uma das principais problemática apontada pelo autor é a linguagem. Fabiano não tem uma noção e fluência da fala. Seu maior sonho é poder falar como os outros. Quando Fabiano fala, não é imediatamente compreendido, porque ele não tem tanto noção de gramática. Em situações normais ele não consegue se expressar de forma compreensiva, ficando muito confuso o que ele realmente quer dizer, seja seus pensamentos ou suas emoções, assim como um animal, se ele está numa situação de pressão ele não consegue expressar nada seja o que for. Tem um capítulo chamado “Soldado Amarelo” em que o soltado aborda o Fabiano e esse se complica todo, apanha e é preso, por não conseguir falar nada coerente. Na prisão ele se dá conta em pensamentos, e ai temos a linguagem indireta, de que ele é semelhante a um animal, reflete que bom seria se ele dominasse a fala e as expressões.

Uma das cenas mais dramáticas e famosas do livro sem dúvida é o momento da morte da cachorrinha que fica doente, provavelmente com raiva e tem que ser sacrificada pelo Fabiano que pretende dar um tiro de misericórdia direto na cabeça, mas ele erra o tiro e acerta a pata trazeira. Dramaticamente a cachorrinha vai se arrastando para debaixo de um carro de boi. O narrador por onisciência seletiva vai mostrar o pensamento da cachorrinha:

“Não é justo o que fizeram comigo, eu não merecia isso. Nunca fiz mal para o Fabiano, sempre ajudei a família. Ele me feriu porque eu sou um bicho, porque eu não sei falar, seu eu soubesse me expressar ele não faria isso comigo.”
Vemos os dramas psicológicos de cada personagem, inclusive a baleia que sonha em uma terra cheia de preás, Sinhá Vitória sonha em uma cama de verdade, quando viu na casa de um vizinho, Fabiano em poder se expressar de forma plena assim como o filho mais velho sonha em falar.

O menino mais velho sonha em adquirir cultura, dominar a linguagem, pois a linguagem deles se resume ao mínimo necessário para viver e a miséria se repete, pois nunca consegue. O sonho do menino menor é ser como o pai, pois tem ele como seu herói, mas o ciclo de miséria é mostrada indica que o filho mais novo vai aceitar essa vida de exploração, ser roubado, humilhado e desgraçadamente jogados no sertão. O soldado amarelo representa o governo, autoritário, prepotente arrogante e com um descaso aos problemas sociais, com as populações mais pobres, mais desvalidas representadas pelo Fabiano.
Numa parada em uma fazenda, o Fabiano consegue um bico e tem conflitos com o patrão, que na hora de pagar, ele diz que teve foi prejuízo e vai descontar do salário do Fabiano, que não aceita, mas não tem outra saída. Essa passagem é para mostrar o patrão, como símbolo de toda injustiça desse capitalismo selvagem que é alvo de crítica desse e de outros escritores da época. Graciliano Ramos não esconde que é socialista e certamente seria incoerente ele não colocar sua crítica nas suas obras.

O livro narra a trajetória de uma família dos retirantes num período de uma seca até a outra. Temos o Fabiano, o mai, sua esposa sinhá Vitória, filho mais velho e filho mais novo, eles não tem nome porque representa o futuro certo que não vai mudar. Fabiano é animalesco e fisicamente grotesco. Ele se comunica melhor com os animais do que com humanos. De qualquer forma, ele tem uma ética que se preocupa em cuidar da família. Essa família é nômade, não tem lugar fixo para viver, sempre andando fugindo da seca. A miséria é uma companheira permanente dessa família.

Eles não têm a menor noção de religião. O menino mais velho certo dia ouviu a palavra inferno, quando pergunta para seus pais,l eles não sabem responder, a mãe tenta falar que é lugar ruim e o menino pergunta: “Você já esteve lá?” ele apanha e não sabe nem por que está apanhando. Assim fechamos a análise do livro, destacando a importância de ter cultura e inserção social.

O Filme de Nelson Pereira dos Santos é muito fiel a obra. O diretor foi muito feliz em buscar as características. Filme em preto e branco, muitas cenas paradas justamente para causar a sensação dessa vida estática. Lançado em 1963, antes do golpe militar
Sinopse: uma família de retirantes nordestinos foge da seca em um ciclo de miséria e humilhações reincidentes . Fabiano (Átila Iório), Sinhá Vitória (Maria Ribeiro), o filho mais novo (Gilvan Lima), o filho mais velho (Genivaldo Lima) e a cachorrra Baleia, formam a família cruelmente açoitada pela subserviência humana e geográfica, vagando sem destino e já quase sem esperanças pelos confins do interior, sobrevivendo às forças da natureza e à crueldade dos homens.

Como falamos, o diretor Nelson Pereira dos Santos realizou o filme muito fiel a obra de Graciliano Ramos, numa adaptação primorosa representante maior do Cinema Novo. Em Vidas Secas Profundamente realista o longa poderia se passar por um documentário das agruras do sertão. A fotografia de Luiz Carlos Barreto e José Rosa, transmitem sempre a brutal devastação da aridez nordestina, devastado pela pobreza e esquecimento,

uma história linda e triste de uma família em busca de um sol. Aplaudida no mundo todo, roteiro perfeito.. Premiado em Cannes (1964) pela Organização Internacional de Cinema e Audiovisual e indicado à Palma de Ouro, merecidamente. Cenas antológicas: nota 10.
Mais um grande clássico do cinema novo, filme histórico e obra-prima baseado no livro de Graciliano Ramos escrito e dirigido por Nelson Pereira dos Santos. O diretor conseguiu em Vidas Secas (1963) estampar com rara felicidade a cara do Brasil das décadas de 1930/40 e ser fiel ao livro de Graciliano no que o livro tem de essencial: mostrar a luta do camponês nordestino para sobreviver as agruras do tempo e superar as adversidades impostas por um sistema cruel, onde prevalece a força dos donos da terra. Vidas Secas é um dos filmes que melhor representa as propostas estéticas e políticas do Cinema Novo no Brasil. Sucesso de crítica o filme continua bem atual a realidade do Brasil com…